Mensagens furtivas. Idéias desconexas. Notícias ao léu. Opiniões duvidosas. Visões de Pasárgada
quarta-feira, janeiro 31, 2007
Divagações ao som do último disco do The Killers ou A respeito do Gosto Duvidoso
Todo mundo tem algo de podre escondido na gaveta. E se digo 'todo mundo' é porque também tenho e espero não estar sozinho nessa. Me refiro àquele tipo de coisa que, se revelada, causaria vergonha, vexame, um tantinho de culpa, e acaba encontrando local mais adequado ali no fundo do armário, enfiada logo atrás da pilha de meias ou embaixo daquela cueca mais puída e já raramente usada.
Felizmente, esses elementos ocultos nem sempre se revelam grandes segredos capitais. Se expostos, raramente teriam força para abalar as estruturas da família, da tradição ou da sociedade. Nem todos temos, por exemplo, uma nova opção sexual para tirar do armário. Na verdade, na maioria das vezes, misturados aos eventuais pecadilhos morais, o que se esconde ali é um determinado lado da nossa personalidade, alguns gostos, hábitos e preferências que, digamos assim, seja melhor não dividir com ninguém ou, pelo menos, dividir somente com poucos e bons. Afinal, são aquelas pequenas coisas que revelam nosso chamado Gosto Duvidoso e que, portanto, merecem permanecer secretas.
No meu caso, por exemplo, se você fuçar com atenção no fundo da minha gaveta vai esbarrar no seguinte:
- diversas (muitas) edições antigas da Playboy,
- algumas páginas constrangedoras de um diário escrito no longínquo 1988,
- um versinho de amor mais antigo ainda, cheio de metáforas com temática astronômica,
- um filme pornô, VHS, roubado de locadora,
- uma infelizmente curta lista das meninas com quem fiquei, com nome, data e local, parando em 1994,
- uma partitura de piano do “Tema do Cascão” da turma da Mônica,
- duas camisas e um boné da Portuguesa, meu time do coração,
- aproximadamente setenta edições do Tio Patinhas,
- um poster do Deep Purple,
- dois rascunhos de letras para um pretenso tema heavy-metal com temática medieval,
- e, finalmente, uma coleção de vinis e cds do melhor do Hard Rock do fim dos anos 80.
Coisas constrangedoras, afinal. No entanto, depois de toda essa dolorosa enumeração, minha sensação é de alívio. Compartilhar esse meu lado podre, de certa forma, descarrega um peso dos ombros. Até porque, apesar do reconhecido Gosto Duvidoso de tudo isso, o carinho e afeição por todos esses itens é imenso.
Mas era ao último item onde queria chegar. Minha pré-adolescência hard-rocker. Ao contrário da grande maioria da crítica musical brasileira, que cresceu nos anos 80 ouvindo Smiths e Jesus & Mary Chain, e diferentemente da nova geração indie-blogueira, que se formou ao som de Pavement e Sonic Youth, meus primeiros ídolos de adolescência foram aqueles caras com a cabeleira cheia de laquê. Tudo bem que, na minha cronologia musical, os Beatles tenham vindo primeiro e que o Nirvana viria logo depois. Mas naquele momento crucial, aos 13 anos de idade, o início da fixação pela música e pelo mundo do espetáculo, era o Hard-Rock-Poser que dominava o mundo. Poison, Bon Jovi, Skid Row e, claro, Guns&Roses. Eles lutavam contra os infames New Kids On The Block. Eles eram os mestres do universo.
Corte para 2006.
Depois da já insuportável onda de flashback dos anos 80 (flashback que claramente privilegiou a New Wave e o Electro Pop), fiquei ansiosamente aguardando o momento em que se ressuscitariam as bandas poser de hard-rock que dominaram o final da década. Era a sequência lógica dessa insana indústria da nostalgia. Para o bem ou para o mal, essa hora haveria de chegar.
Dois anos atrás, o Darkness bem que tentou. Mas eram tão parecidos, faziam tanta força para reproduzir a imagem daqueles tempos, que acabaram se tornando um pastiche, uma cópia cômica do que já passou. Fracassaram, e o flashback do poser pareceu morrer na praia. Talvez aqueles anos ainda não estivessem bem decantados, ainda não tivessem sido devidamente maturados no fundo da gaveta. O hard-rock, afinal, ainda soa como Gosto Duvidoso, ainda desperta vergonha e rejeição.
Mas sugiro que é neste ponto onde reside um certo engano. Porque, de mansinho, sem ninguém notar, está aí uma banda que faz todas as honras aos vergonhosos anos do hard-rock poser. Pela tangente, dispensando o figurino, sem assustar ninguém, essa banda traz de volta toda a afetação, energia e barroquismo daqueles tempos alegres. Com letras otimistas e motivadoras, pomposos arranjos de teclado, solos melódicos de guitarra e até mesmo inimagináveis refrões em coro, o The Killers acabou de vez com o cinismo galopante da virada do século. Arrebentou as paradas, provando que novamente é possível ser cool (ou ser hot) com letras e melodias cheias de excessos, arrebatadoras e desavergonhadas. Discretamente, sem maiores explicações, ressucitaram a alma do hard-rock.
Em 2005, o primeiro disco explodiu embalado pelas já clássicas canções “Somebody Told Me” e “Mr. Brightside”. No final do ano passado, era portanto bastante difícil fazer com que o segundo álbum correspondesse às altíssimas expectativas. “Sam´s Town”, no entanto, é simplesmente sensacional. Ainda melhor que o disco de estréia. A banda dispensou qualquer pretensa evolução ou diversificação de estilo – apenas aprimorou sua proposta inicial e chegou à excelência.
No que diz respeito ao mote deste texto, “Sam´s Town” talvez seja ainda mais ousado. De certa forma, o som agora se distancia um pouco das influências mais pop do primeiro disco, influências que fizeram alguns considerá-los descendentes diretos do Duran Duran. O novo disco é mais rock, especificamente no sentido poser do termo. Chega-se mesmo a flertar com algumas coisas do heavy-metal melódico, outro clássico do Gosto Duvidoso. A canção “Confessions of a King” possui a cavalgada rítmica clássica do Iron Maiden. A presença no álbum de aberturas e encerramentos auto-referentes, cheios de arranjos orquestrais, lembra as grandes epopéias do Helloween.
No Hard Rock, no entanto, a prova final se resume ao êxtase, ao descabelar-se desavergonhadamente. Prova superada com méritos. Afinal, após o encantamento das primeiras audições, é impossível não cantar junto a canção-título do álbum ou, principalmente, o hit “When You Were Young” e sentir de volta a mesma sensação adolescente de imortalidade, poder e inocência de quando, há mais de quinze anos, cantávamos “You Were Born To Be My Baby” do Bon Jovi.
Algo mudou no mundo, afinal. O Killers trouxe, sem escrúpulos, tudo o que é brega de volta às paradas do rock´n´roll. Resgatou a afetação, o sentimento e o excesso. E, ainda assim, conseguiu ser reconhecido pela imprensa e pelo público mais metido e descolado.
De certa forma, é como se eles fossem capazes de arrancar do fundo da gaveta de cada ouvinte aquele vexaminoso lado podre, cuidadosamente escondido, mas que acaba se revelendo particularmente terno e docemente verdadeiro. Desde a primeira vez que ouvi “Somebody Told Me”, o primeiro single da banda, guardo o mesmo sentimento - The Killers é deliciosamente constrangedor.
segunda-feira, janeiro 15, 2007
Melhores de 2006 - S&Y
Saiu enfim o resultado da eleição dos melhores de 2006 do site Scream&Yell. Noventa e dois votantes em treze categorias - dá para imaginar o tamanho do trabalho que o Marcelo Costa teve para compilar os votos e editar todo o material. Mas o sujeito é incansável mesmo. Simplesmente louvável, meu caro. Afinal, já são três anos seguidos produzindo um apanhado da cultura pop muito mais abrangente e completo que qualquer mídia profissional, revista ou caderno cultural, tenha feito por estas terras tupiniquins.
quarta-feira, janeiro 03, 2007
Carpe Diem at Tiffany´s
Posso reclamar da vida, da falta de dinheiro, me afundar em questões existenciais, divagar indefinidamente sobre os rumos do próximo ano. Mas no que diz respeito a saber aproveitar os momentos de ociosidade solitária, tenho orgulho de afirmar: sou um profissional. Plenamente realizado.
No fundo, não é difícil, nem mesmo requer muitas posses. Esta noite, por exemplo. Depois da dura labuta de um dia de verão sem ar-condicionado, a receita foi bastante simples: trocar a roupa besuntada, vestir shorts e camiseta e me sentar na varanda. O resto veio como por consequência – vento fresco, abrir a garrafa do Santa Carolina Carménere, pegar o queijo camembert levemente vencido na geladeira. O jantar estava servido. Para completar, pôr o the best of Ella Fitzgerald para tocar e carregar no colo o “Bonequinha de Luxo” do Truman Capote para acabar de ler. Um pouco de hedonismo não deveria trazer culpa a nenhum cristão.
A oposição diria que a receita acima é pretensiosa demais e, talvez, ligeiramente gay. Eu diria que tal cardápio não é nada pretensioso, apenas sensato. Talvez pretensioso seja escrever sobre ele num blogue, mas aí se trata de outra história. Quanto a parecer gay, bem, eles me parecem bastante felizes.
Por mais que nos convençamos do contrário, o prazer hoje não custa caro. É claro, o cinema, o teatro, a assinatura da Net e do Vírtua estão pelos olhos da cara. Mas a garrafa do vinho me custou onze reais, o camembert vencido não mais que seis e a Ella eu tirei da estante. E, definitivamente, ter a Holly Golightly me encantando a cada linha, meu caro, isso não tem preço.
***
Sinceramente, esperava muito menos de Truman Capote. Já tinha lido algumas páginas do seu "A Sangue Frio" e sabia que o sujeito sabia narrar uma história. O filme-biografia do ano passado, no entanto, me rendeu alguma antipatia. Mas "Bonequinha de Luxo", no seu descompromisso de novela de noventa páginas, é um livro delicioso. Holly Golightly, a contradição em pessoa, caipira e chique, espontânea e esnobe, self-made-woman e aristocrata na mesma medida, é apaixonante. Nunca vi o filme e já caí de quatro por ela, mesmo sem conhecê-la na pele da Audrey Hepburn. Imagine depois.
No fundo, não é difícil, nem mesmo requer muitas posses. Esta noite, por exemplo. Depois da dura labuta de um dia de verão sem ar-condicionado, a receita foi bastante simples: trocar a roupa besuntada, vestir shorts e camiseta e me sentar na varanda. O resto veio como por consequência – vento fresco, abrir a garrafa do Santa Carolina Carménere, pegar o queijo camembert levemente vencido na geladeira. O jantar estava servido. Para completar, pôr o the best of Ella Fitzgerald para tocar e carregar no colo o “Bonequinha de Luxo” do Truman Capote para acabar de ler. Um pouco de hedonismo não deveria trazer culpa a nenhum cristão.
A oposição diria que a receita acima é pretensiosa demais e, talvez, ligeiramente gay. Eu diria que tal cardápio não é nada pretensioso, apenas sensato. Talvez pretensioso seja escrever sobre ele num blogue, mas aí se trata de outra história. Quanto a parecer gay, bem, eles me parecem bastante felizes.
Por mais que nos convençamos do contrário, o prazer hoje não custa caro. É claro, o cinema, o teatro, a assinatura da Net e do Vírtua estão pelos olhos da cara. Mas a garrafa do vinho me custou onze reais, o camembert vencido não mais que seis e a Ella eu tirei da estante. E, definitivamente, ter a Holly Golightly me encantando a cada linha, meu caro, isso não tem preço.
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Sinceramente, esperava muito menos de Truman Capote. Já tinha lido algumas páginas do seu "A Sangue Frio" e sabia que o sujeito sabia narrar uma história. O filme-biografia do ano passado, no entanto, me rendeu alguma antipatia. Mas "Bonequinha de Luxo", no seu descompromisso de novela de noventa páginas, é um livro delicioso. Holly Golightly, a contradição em pessoa, caipira e chique, espontânea e esnobe, self-made-woman e aristocrata na mesma medida, é apaixonante. Nunca vi o filme e já caí de quatro por ela, mesmo sem conhecê-la na pele da Audrey Hepburn. Imagine depois.
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