quarta-feira, janeiro 14, 2004



Divagações umbiguistas numa época dada a divagações umbiguistas


Sempre gostei das viradas de ano. Como diria aquele tradicional spam, sempre recebido nas épocas natalinas, a vida seria insuportável se não houvesse a chance de deixar pra trás o déficit do ano anterior, passar a régua e tentar tudo de novo.

Não posso negar, porém, que estava carregando um sentimento estranho neste fim de 2003. Talvez tenha sido coincidência, mas parece que justamente durante a semana da virada minhas tropas estavam de moral baixo. Uma espécie de melancolia, uma sensação de não-realização, de insatisfação com o ano que passou.

Mas a “nhaca” foi algo momentânea. Depois de espantá-la, e de refletir com um pouco mais de isenção e calma sobre o que aconteceu, vejo que estava sendo injusto com 2003 e, sobretudo, comigo mesmo. Foi um ano bom. Aliás, foi um ano muito bom.

Dois mil e três não foi um ano de inícios e de novidades, como foi seu predecessor. Foi um ano de consolidações. Foi o ano de deixar mais sólidas as amizades feitas logo ali em 2002, de conhecer melhor minha menina e ficar cada vez mais caidinho por ela, de tentar focar meus projetos naquilo que realmente me interessava. Claro, ainda foi o ano de continuar plantando, e de ter paciência até que chegue a hora de colher.

Surpresa é sentar e pensar no que aconteceu. Foi muita coisa, pôxa vida. Comecei 2003 em Floripa, numa viagem atribulada mas supimpa. No trabalho (aquele, lembra, no qual a gente ganha grana), depois de muito tempo, comecei de novo a ver algum sentido nas coisas. Gostei dessa sensação. E pude viajar duas vezes para Porto Alegre para fazer esse algo no qual via algum sentido. Continuei escrevendo e, mesmo achando ainda muito pouco, foi o ano em que mais escrevi na minha vida. Mesmo em contínuos altos e baixos, o bloguito completou um ano, e foi em frente. Entre maio e setembro, publiquei textos freqüentes no Scream&Yell. E, putz, mesmo informalmente, foi minha primeira relação contínua de colaboração com um veículo. Informal ou não, pra mim foi uma puta realização. Valeu, Marcelo. A partir de agosto, foi a vez do Imprensa Marrom. E aí, apesar da relação com o Gravata agora também se confundir com a amizade, o prazer de colaborar continuou o mesmo. Obrigado também, velhinho.

Foi também o ano de começar no ioga e tentar baixar um pouco essa ansiedade. Ano de controlar a pressa, e aceitar. De emagrecer cinco quilos, e depois engordá-los de novo. De perder um pouco mais de cabelo. De descobrir o Los Hermanos e ver três apresentações da banda em menos de dois meses. De superar minha marca de ler um livro por mês (exatamente, foram dezesseis). Ano de fazer curso de roteiro, e não escrever nenhum roteiro. Mas de aproveitar o curso para assistir a vários clássicos fantásticos e freqüentar bocas-livres nas vernissages do Mube.

A mochilada do ano foi em direção ao Rio, rumo ao Tim Festival. Ver o White Stripes e se acabar de pular num show como não fazia desde as tenras épocas do Monsters of Rock. E, na companhia de manito e do Digones, também conquistar os Arcos da Lapa.

Foi o ano de não ter estado com os amigos tanto quanto eu gostaria. Mas de, mesmo assim, ter conseguido estreitar alguns laços. De manter inimagináveis laços com um povo de uma cidade a 400 kilômetros de distância, a ponto de ir passar o ano-novo lá, com esses rio-pretanos duca. E com catanduvenses duca também. Ano das festas de arromba na casa de um paulistano maluco, que depois se juntou com uma mineirinha linda para formar um casal também antes inimaginável. Definitivamente, o ano de provar que amizades internéticas também sobem a serra. Ano de conseguir juntar nove amigos da longínqua faculdade para jogar pôquer num jovem apartamento desmobiliado de parcos 60 metros quadrados, e chegar às seguintes conseqüências: duas rodadas de truco jogadas, uma mancha de vinho-tinto na parede, um vizinho precocemente incomodado e um porteiro que duvida da minha masculinidade.

Ano de mergulhar no saldo negativo, de deixar a casa nova habitável, de adiar a mudança aos limites do tolerável.

Sobretudo, foi o ano de continuar aprendendo a lidar melhor com minha menina, pra tentar fazê-la mais feliz. De também me esforçar para que eu seja mais fácil de lidar, apesar de saber que isso é difícil. E perceber que sempre é cada vez melhor.

Quero agora fazer isso: fechar a conta. E tudo que ficou por fazer, que virou frustração, fracasso ou apenas pendência, que passe agora para a lista de tarefas de 2004.