sexta-feira, janeiro 31, 2003



Momento Isso É Música Para Meus Ouvidos

Rock Energético

Há muitos anos, em uma galáxia distante, houve um tempo em que músicos de rock usavam longas cabeleiras e vestiam jaquetas de couro. Guitarristas virtuoses transpiravam solos acelerados, enquanto os vocalistas eram dominados por uma energia frenética, resultado de um estado artificialmente alterado.

Não, não estou falando dos anos 80, das bandas de heavy-metal ou do hard-rock farofa. Tudo isso já era de certa forma uma expressão decadente. Quero ir mais para trás, para quando o peso, a sujeira e a velocidade eram a novidade, mas ainda continham muito da rebeldia adolescente e da tensão sexual do bom e velho rock´n´roll.

Misturar energia, peso e velocidade, mas manter o pé-na-cozinha, ser fiel às raízes bluesadas do rock. Receita básica que atravessou décadas, desde a insanidade do The Who e Stooges, passando pelas explosões do Led Zeppelin, Deep Purple e Lynyrd Skynyrd, resgatada pelo punk dos Ramones, mantida viva por coisas tão diferentes como AC/DC ou Steve Ray Vaughan.

Hoje porém vivemos tempos diferentes. Numa época em que o legal é ser cool, esse tipo de energia e vibração pode ser visto como afetação, pieguice ou exibicionismo. Por esse motivo, parecia mesmo improvável que, no meio das dezenas de bandas "salvadoras do rock" que apareceram nos últimos dois anos, despontasse algo como os Hellacopters. Ainda por cima, vindos da gelada Suécia.

Hellacopters é tudo que você tinha saudade no rock mas tinha vergonha de pedir. Um tipo de som que parece até estranho no formato CD, faz você se lembrar das velhas bolachonas de vinil onde se lia a mensagem: "ouça alto". Bastante saudosista sim, mas cheio de energia e vitalidade. Uma verdadeira chacoalhada para aqueles que já se cansaram de vocalistas depressivos, do som das guitarras do britpop, das misturas esquisitas de influências. Correndo por fora, fazem as manifestações roqueiras de New York e Detroit (Strokes e White Stripes, respectivamente) parecerem pose de crianças.

Apesar de estarem na estrada desde 1994, esses suecos malucos conseguiram projeção internacional somente nos três últimos discos, justamente aqueles lançados no Brasil (na verdade, o último ainda tem o lançamento por aqui prometido para o início deste ano). High Visibility, de 2000, é a porta de entrada ideal. Está tudo ali, finamente reunido, sem sobras ou excessos. Cream of the Crap!, de 2001, é o primeiro volume de uma coletânea de antigos EPs e singles. Traz muito do início da banda: a mesma energia, mas em um som mais cru, capaz de agredir ouvidos desavisados. O disco mais recente é By The Grace of God, recém lançado no segundo semestre de 2002. Diz-se que o disco é o mais comercial dos suecos. Certamente as melodias são um pouco menos inocentes e o som está mais maturado - o que nem sempre pode ser um bom sinal para uma banda como eles, mas o resultado continua sendo primoroso.

Os entendidos têm classificado a música dos suecos como "stoner-rock" (algo como "rock-chapado"). Colocam o mesmo rótulo no Queens of The Stone Age, por exemplo. Para mim, os dois são bem diferentes. Além de ser "rock-energético", os Hellacopters conseguem resgatar o espírito descompromissado, alegre e despreocupado dos velhos tempos de Chuck Berry, com suas letrinhas falsamente pueris unidas ao ritmo alucinante.

Eu sei que é só rock´n´roll. Mas eu gosto...




terça-feira, janeiro 28, 2003

Internéticas

Duas novas novidades fresquinhas do mundo bloguístico.

A primeira parece conto do vigário: o Professor Blog está procurando desocupados para "blogar" profissionalmente. Utopia? Realidade? Na dúvida, meu nome está lá.

A segunda é uma iniciativa muito bacana: o concurso Reporter X abriu um blog para você postar uma foto e um texto de sua autoria, retratando um "furo de reportagem". A equipe do concurso vai escolher os melhores "pacotes" publicados.

Contrariando a lógica da competição, faço dois pedidos: inscrevam-se. E espalhem a notícia...



Subjetividades

Falei em "subtexto" no post anterior, não foi? O trecho abaixo, descaradamente copiado do blog do Mojo, dá uma pincelada interessante sobre essa palavrinha difícil...

Não consigo decidir o que me parece pior: confundir arte com entretenimento ou achar que toda obra de arte deve trazer embutida a possibilidade de redenção ou, pior ainda, algum sentido edificante intrínseco. Criadores em geral são, por princípio, moralistas, mas faz parte da natureza paradoxal de sua atividade evitar ao máximo a armadilha de ser moralizante. É por isso que o subtexto é tão importante, principalmente nas artes narrativas (literatura, cinema etc.), que por sua própria natureza exigem a presença de uma certa ambigüidade para que possam funcionar. Subtexto não é uma moral da história, e muito menos uma mensagem. Subtexto é aquilo que o autor diz, mas não mostra. Aquilo que o autor mostra, mas não descreve. Aquilo que o autor descreve, mas não explica. O subtexto é o vácuo que cria a tensão necessária para a narrativa operar seus truques (ou sua mágica, se quisermos ser românticos). Mas certo, deixa isso pra lá.

Provavelmente essa não foi a intenção do Mojo, mas li esse texto como uma reflexão adicional ao embate MV Bill x Cidade de Deus. Afinal, qualé o papel e até onde raios vai a responsabilidade (?) de uma manifestação artística? Mas, como diria o Inagaki, tergiverso...



Assistir, eu? Imagina, estava só zapeando...

Quando o tal Dilsinho começou a pegar no pé da princesa, reinvindicando seus direitos de sapo-beijado, eu logo pensei com meus botões: bem-feito, Dona Miss, quem mandou dar mole para aborígene (relembrando o célebre termo das garotas do 02 neurônio). Agora vai ter que aguentar o grude durante três meses, tal qual Dona Manoela.

E não é que a princesa logo chutou o rapaz para escanteio, desdenhou do beijo do moço em cadeia nacional e quebrou o coração molenga escondido por detrás daquela jaqueta heavy-metal?? Pobre sapão, quem mandou se meter com essas misses insensíveis...

***

Alguém pode me explicar o que é aquele "MTV Casa da Praia"? Há por acaso algum sentido em ver Mr. Edgar tocando violão enquanto duas beldades da anorexia moderna saltitam para a câmera? Careço de explicações...

***

Em compensação, Cazé está mandando muito bem na sua caracterização de estórias clássicas do rock. É nonsense, constrangedor às vezes, mas sempre muito engraçado.

***

Após chegar do trabalho, deitar-se na cama e colocar a cabeça no travesseiro, será que João Kléber consegue dormir em paz? Ou o mundo ainda vai fazer mal a esta minha alma inocente?

***

Triste mesmo é ver o estado da dramaturgia na TV. É impressionante o nível de didatismo a que chegam as tramas e os diálogos nas atuais novelas e mini-séries. Não há mais espaço para meias-palavras, sentimentos reprimidos, silêncios constrangedores. Não é mais permitido que se interprete o subtexto e se abstraia o significado de uma cena. Não é mais necessário fazer tamanha ginástica mental. Tudo é objetivamente explicado, nos mínimos detalhes.

Essa "Casa das Sete Mulheres", por exemplo. Trama histórica, superprodução, possibilidades promissoras. Mas qual o quê... Até me solidarizo com os atores - está certo, Mariana Ximenes é mesmo adoravelmente canastrã, mas nem Fernanda Montenegro daria jeito em um texto tão capenga. Chega a ser infantil de tão auto-explicativo. Após um embate dramático com seu amado, a atriz se tranca no quarto, deita-se em sua cama e, põe-se a chorar?, não, corre a explicar suas aflições ao atento espectador. Meu Deus, como fala-se sozinho nas novelas brasileiras! Em "O Clone" o recurso já era diferente: os pensamentos eram declamados ao fundo, tentando definir pelo texto o que na verdade gostaria de transmitir a indevassável expressão do Murilo Benício.

Tudo isso é sintomático da incapacidade e preguiça do público? Talvez, mas é certamente gerado pela incapacidade e preguiça dos próprios realizadores das produções.

***

Pra eu largar de ser chato e ir ler um livro? Parar de exigir qualidade da TV? Ora, então deixem-me aqui com saudades da Maria de Fátima da Vale Tudo, relembrando Tarcísio como Capitão Rodrigo ou Euclides da Cunha, recordando o João da Ega nos Maias.

sexta-feira, janeiro 24, 2003



Serviço de utilidade pública

A Paula do Epinion já deu a dica, mas eu sinto um dever quase cívico de espalhar isso adiante. O corrosivo Cocadaboa, recém-libertado das garras da censura, oferece uma coletânea de trotes enviados ao SAC de diversas empresas. Coisas desse tipo:


Empresa: Colgate/Creme dental Tandy
Autor: Lucas (leitor)

Oi,
Eu me chamo Lucas, tenho 8 anos e sempre escovo meus dentes com Tandy. minha mãe falou que doces dão cárie, e isso me deixou com medo, porque na aula de ingles a professora me disse que chiclete em ingles é "buble gun", o sabor que eu mais gosto de tandy, e eu nao quero ter caries. eu tentei mudar pro sabor morango, mas ele tem gosto de bala, e nao adiantou muita coisa. eu estou com medo a toa? vocês nao poderiam fazer uma tandy sabor churrasco ou coxinha de galinha, para nao estragar meus dentes?
Obrigado,
Lucas Marcos Netto


Alguém duvida que o pequeno Lucas obteve resposta da empresa? E tem muito mais aqui. Por favor, leiam tudo. É cientificamente comprovado que gargalhar pela manhã faz bem à saúde e contribui para a paz mundial.

quinta-feira, janeiro 23, 2003



Trabalho sujo

Conheço umas pessoinhas por aí de quem eu gosto bastante que estão passando por algumas dúvidas profissionais. Eu não, lógico, sou muito bem resolvido e já sei o que quero fazer quando crescer: ser pesquisador de blogs.

Mas o fato é que vamos mergulhando nessas dúvidas profissionais e elas acabam se tornando monstros enormes. Comprometem a auto-estima, acabam com o entusiasmo, deixam o dia-a-dia cinza. É fácil, muito fácil mesmo, se esquecer que o mundo é muito maior que as quatro paredes do escritório (ou do consultório, loja, laboratório...) e que somos muito maiores que a grande dose de mediocridade jogada na nossa cara de quando em quando.

Às pessoinhas queridas, não digo mais nada. Apenas faço uso da provocação proposta por Alexandre Matias no ótimo e-zine trabalho sujo. Vai aqui uma palhinha, mas não deixem de conferir tudo da fonte...

"Por isso, prepare-se para ser demitido. Assim, quando a verdade chegar para você em forma de um bilhete azul, você não vai se sentir um marido traído. Aceite os fatos, você está fora. E agora?

E agora a sua vida, seu merda. Afinal de contas, o que é isso que você chama de vida?"





Embalado pelo último post, não pude resistir a colocar aqui a letra do samba composto por Candeia e interpretado por Cartola. Vai também como homenagem à Dona Zica, viúva do bamba mangueirense falecida ontem.

Cartola, fundador da Mangueira, teve sambas gravados pelas grandes vozes brasileiras dos anos 30. Esquecido por muito tempo, dizem as lendas que foi reencontrado pelo produtor Sérgio Porto nos anos 50, trabalhando como lavador de carros. Gravou seu primeiro disco aos 65 anos de idade.

Uma breve biografia da Candeia também pode ser encontrada aqui. Trajetórias que fariam inveja a qualquer beatnik, assim como a letra abaixo...



Preciso me encontrar
(Candeia)

Deixe-me ir, preciso andar
vou por aí a procurar
rir pra não chorar

quero assistir
ao sol nascer
ver as àguas
dos rios correr
ouvir os pássaros cantar
eu quero nascer,
quero viver

deixe-me ir preciso andar
vou por aí a procurar
rir pra não chorar

se alguém
por mim perguntar
diga que eu
só vou voltar
quando eu me encontrar

quero assistir
ao sol nascer
ver as águas
do rio correr
ouvir os pássaros cantar
eu quero nascer,
quero viver

deixe-me ir,
preciso andar
vou por aí a procurar
sorrir pra não chorar


segunda-feira, janeiro 20, 2003



Momento Isso É Música Para Os Meus Ouvidos



CIDADE DE DEUS - Trilha Sonora





Bateram na porta. Bateram de novo, porra. Não é nada não, é só o Dadinho. Mas o nome dele não é mais Dadinho, o nome dele agora é Zé Pequeno. Sem mais explicações explode o acorde dissonante dos metais, um funk cru e suingado invade o ambiente, cai mais uma boca na Cidade de Deus.

E é só o começo. As primeiras quatro faixas instrumentais, compostas para o filme por Antonio Pinto e Ed Cortes, jogam na parede todas as cores e ritmos da saga marginal daqueles meninos de Deus. O baixo rasgado e a linha de metais não negam a influência da música negra americana, trazem à mente o melhor do funk blackpower e dos filmes da blaxploitation dos anos 70. Luta pelo poder, lei do mais forte, malandragem, conquista do morro, clima de festa, apogeu da marginália. Zé Pequeno reina, Benê cativa. A guitarra suingada e o grito da cuíca invadem o terreno e agora domina o samba-funk, samba-rock, samba-soul. A vida na favela também é da gente comum, da gente sofrida, também é a vida de otário. Otário que, pulando de bico em bico, vai levando e tentando escapar do sangue, da violência. Mas o coisa-ruim tá em todo canto, em cada beco, Buscapé abusa do jogo de cintura. Momentos sombrios, de flautas, baixo e cadência da percussão.

O ritmo agora dá um tempo, porque malandro não pára, malandro dá um tempo. Porque agora é hora de sonhar, sonhar com a redenção, sonhar com o sitiozinho, uma plantação de maconha e a aposentadoria tranquila. Um amor, uma fazenda e uma casinha de sapê - afinal, um cara precisa mais do que isso? A melodia de Hyldon inspira, e Benê acha que não.

Volta o suíngue instrumental, meio sensual, meio sombrio. Será que dá mesmo pra recomeçar? A única certeza é que aquele sonho havia começado muito antes. O dinheiro e o poder não bastam, Benê quer mais, quer ser aceito na Zona Sul, quer namorar uma cocota, quer ser playboy. Quer mudar, quer ser metamorfose ambulante, assim como pregava Raul.

Mas o buraco é mais embaixo e como diz Wilson Simonal, "nem vem que não tem". O balanço do carioca faz o pedido, "vamos voltar à malandragem", e quem ouve o chamado malemolente é Mané Galinha, ex-homem-de-bem. Explosão da violência contraposto ao funk cadenciado e bem-humorado.

Quem não nasceu ontem, meu velho, sabe que a raiz disso tudo é muito antiga. Vem lá detrás, de quando a periferia ainda era longe e a molecagem ainda era desculpa para bandidagem. Mas a inocência morreu logo e, assim como Benê, Cabeleira morreu atrás do sonho, empurrando seu amor num carro velho, correndo sob a luz do pôr-do-sol, ao som da voz de Cartola. Só resta chorar.

Mas também Cartola nos traz a Alvorada, faz o morro acordar de novo, reunir a roda de samba, trazer o cavaquinho e violão. Lembrar de um tempo de esperança, onde ninguém chora, nem há tristeza. Tempo de romantismo, se é que houve mesmo esse tempo. Lembrança turva de anos pobres mas dourados.

É hora então de Seu Jorge sair da pele de Mané Galinha e atualizar essa visão do morro. Alegria de pobre dura pouco, os créditos já começam a correr na tela, mas o samba rasgado dá nome aos bois: Jesus, José, João, Mané - filhos da cidade que Deus esqueceu de olhar. Ainda há tempo de Tim Maia entoar seu canto racional e chamar todos para mergulhar no funk lisérgico e trilhar o Caminho do Bem. Uma viagem difícil depois de tudo que se viu até aqui.

As cortinas já caíram mas, como num delírio dejá vu, o batuque recomeça, crescente, vibrante. A galinha escapa da panela, sai em disparada, foge entre cuicas e tamborins. O surdo marca o ritmo, dita o corte frenético das imagens, a galera corre ensandescida atrás da presa. O trecho é curto, mas num loop bem que tudo podia voltar ao começo. Porque nada é o que parece, e agora a faixa já é outra.

E tudo se encerra nesse techno pesado, remixagem da trilha original. Trecho em descompasso com a narrativa, música deslocada da época em que ocorre a trama. Incoerência? Talvez. Ou talvez uma ponte entre aquele passado e este presente, a idéia de que tudo que ocorreu até ali continua até nossos tempos de bailes "funk" e música eletrônica. Firme, forte e real.

Faixas

1. Meu Nome É Zé - Instrumental
2. Vida De Otário - Instrumental
3. Funk Da Virada - Instrumental
4. Estória Da Boca - Instrumental
5. Na Rua,Na Chuva,Na Fazenda (Casinha De Sapê) - Hyldon
6. A Transa - Instrumental
7. Metamorfose Ambulante - Raul Seixas
8. Nem Vem Que Não Tem - Wilson Simonal
9. Preciso Me Encontrar - Cartola
10. Alvorada - Cartola
11. Convite Para Vida - Seu Jorge
12. No Caminho De Bem - Tim Maia
13. Morte Zé Pequeno - Instrumental
14. Batucada remix By Dj Camilo Rocha & Dj Yah




Perguntinha singela...

Alguém pode me explicar o que são essas viaturas da polícia incrementadas com insulfilme, faróis pintados de preto, escapamento aberto e amortecedores rebaixados?

Quando eu era moleque (e apesar dos boatos, isso não faz tanto tempo assim...) essa prática era largamente utilizada pelos "boyzinhos" endinheirados com o objetivo de deixar suas carangas bem "chegadonas" e "bandidas" para fazer pressão junto às menininhas "gasolinas".

Pouco tempo depois, tal prática playboyzística viria a ser devidamente copiada pelos "manos", certamente nem tão endinheirados mas com a mesma índole exibicionista, sofisticada pelo uso de adesivos traseiros com tendências engraçadinhas.

Parece que a polícia também aderiu à moda. Depois do que ando vendo por aí, só me falta agora ser ultrapassado por um camburão e ler no seu vidro traseiro: "É nóis na fita"...

Eu já não nutria grande simpatia pela molecada das carangas incrementadas. Armados e com direito ao uso da força então, o melhor é ficar longe, bem longe.

sexta-feira, janeiro 17, 2003



Geração "Você S.A."

"Existe hoje um culto da atividade
cerebral reduzida: tudo tem que ser fácil
e o resultado tem que vir imediato. É uma
pena, por que as melhores coisas, os
prazeres mais sofisticados, incluindo boa
diversão, nunca vêm tão fáceis."


Thomas Wood Jr., professor de administração da GV


Meus caros colegas administradores (sim, confesso que sou formado em administração de empresas, mesmo que isso possa denegrir minha imagem junto a você, leitor deste post) sabem que esta é uma profissão cheia de, digamos assim, estranhas idiossincrasias.

Nem bem dá para chamar de profissão - de um lado pela infinidade de funções que ocupam os administradores, de outro pela infinidade de profissionais diversos que ocupam a função de administrador. O curso superior, por sua vez, pode ser descrito como genérico e diversificado, pelos que gostaram, ou disperso e esquizofrênico, pelos que não gostaram.

Nos últimos anos tem ocorrido algo muito interessante. Desde o início da década de 90, as teorias e a terminologia do "business" extrapolaram as fronteiras desta "área de conhecimento" e foram pouco a pouco contaminando o dia-a-dia de diversas outras profissões. Fenômeno causado pela famosa globalização e pela supremacia dos mercados: um mundo onde as empresas privadas são as protagonistas da economia, a competição é motriz da sociedade, e os cidadãos são, antes de tudo, consumidores. Tudo isso na teoria, é claro, mas o fato é que hoje em dia fisioterapeutas leêm "Você S.A.", advogados se preocupam com sua "remuneração variável", psicólogos assinam a "Exame", engenheiros querem desenvolver suas "competências de liderança", navegadores e técnicos de futebol dão palestras de "empreendedorismo e gerenciamento de projetos", palestras essas assistidas atenciosamente por comerciantes, jornalistas, médicos e analistas de sistemas. O mundo virou uma empresa? Parem então o mundo que eu quero descer...

Quero descer porque, voltando ao começo do post, o mundo do "business" é um mundo particularmente afetado por, como disse antes, estranhas idiossincrasias. Ciência (ou arte...) nova e, como tal, vulnerável a teorias furadas, termos vazios, filosofias de butequim, gurus milagrosos, manias passageiras, modismos e aproveitadores. Separar o joio do trigo torna-se então preponderante - mas nem sempre fácil de se fazer.

Para sair do genérico, exemplifico. Um dos maiores modismos profissionais dos últimos tempos é o tal MBA. O famoso "Master in Business Administration", o mestrado em administração dos americanos, tornou-se a coqueluche (hype, para os modernos) das empresas, primeiro lá fora e agora aqui. No entanto, extrapolando o fenômeno que descrevi anteriormente, em terras tupiniquins o MBA virou sinônimo de pós-graduação e hoje atinge as mais variadas especialidades profissionais. Neste momento, em algum lugar secreto, donos de faculdade preparam os lançamentos dos novos MBAs em decoração de interiores, massoterapia e webdesign.

A diversidade não é o problema, muito pelo contrário. O problema é que, no ambiente empresarial, esses modismos acabam exercendo o mesmo papel restritor que, por exemplo, a exigência do diploma de jornalismo podia exercer nos veículos de imprensa. Os departamentos de recursos humanos passam a ver o tal MBA como requisito básico, impondo um mesmo caminho a todo e qualquer profissional dentro da empresa. E lá vai toda a manada em busca do seu diploma, sem ao menos refletir se este seria o caminho mais adequado, proveitoso ou estimulante.

Como diria o filósofo, por favor, me incluam fora dessa.

Infelizmente o modismo dos MBAs é apenas uma faceta da geração "Você S.A.". Coloco abaixo mais um trecho da entrevista que o professor Thomas Wood Jr., da FGV de São Paulo, concedeu ano passado ao site No. Aqui ele consegue colocar na mesma cumbuca os gurus da administração, os tais MBAs e o escritor beatnik Jack Kerouac. Sensacional, vale a pena conferir na íntegra.

"Quando decidi escrever sobre o último livro do Jack Welch, "o maior empreendedor do século", fiz uma rápida busca no site da Amazon para ver o número de títulos dele ou sobre ele que estavam disponíveis. Eram dezenas! (...) No meio, apareceu o Kerouak, sozinho, com "On the road". Então, fiquei pensando no que aconteceria se um diretor de RH, querendo forçar o pessoal a se atualizar nas últimas modas de gestão, pedisse, por engano "On the road", no lugar de "Jack Definitivo", e enviasse para os principais executivos da empresa, solicitando que todos lessem.

Fiquei namorando a idéia de uma multinacional bem comportada, dessas cheias de norma ISO, padrões, valores e símbolos de status, e a turma lendo Kerouac. O que iria acontecer? Não consegui chegar a uma conclusão. Do jeito que as coisas estão, alguns iriam tentar praticar os "métodos de gestão de Kerouac". Já fizeram isso com Shakespeare, Átila e até com o Capitão Kirk. Por que não um beatnik? Mas acho francamente que muitos não iam entender nada, por que já viraram rinocerontes (...)

Mas seguimos com a comparação: Kerouac fez uma viagem, daquelas longas e profundas. Está longe de um Conrad, mas fez uma viagem e tanto. Perto dele, o outro Jack, da GE, foi na esquina. Certo, Jack Welch foi um grande executivo. Ele enfrentou uma burocracia gigante e venceu. Mas quem lê seu livro tem a impressão de que é um adolescente, não um adulto: um adolescente super-competitivo, que levou valores e comportamentos do ginásio para o mundo corporativo. Será o mundo corporativo um grande playground para adolescentes crescidos brincarem?

Tomando agora a questão dos MBAs, penso que se a noção de grande viagem de muita gente começa com um MBA, então só posso lamentar e desejar bom proveito! É como fazer aquelas fantásticas excursões européias: "um ônibus brasileiro no Velho Continente - 7 países em 5 dias". Divirta-se! E não esqueça da câmera de vídeo! "


quinta-feira, janeiro 16, 2003



Onde começa a impunidade

Volta e meia ouvimos os gritos de velhas vozes, extremamente preocupadas com a proteção da tradição, da família e da propriedade, alardeando que toda a sorte de benevolência e passividade em relação aos criminosos deve-se à "turma dos direitos humanos". Reclamam que essa "turma" intervém junto à Justiça somente na defesa da bandidagem. Acusam os tais "direitos" como desculpas geradoras da impunidade do país. Enchem a boca para dizer que "lugar de bandido é na cadeia!", supondo a necessidade de reforçar no senso comum alguns slogans redundantes. Como se os direitos humanos contrariassem os direitos à propriedade e à segurança.

Mas antes que eu fuja do assunto, quero na verdade dizer que, veja só, uma das maiores incoêrencias da legislação criminal brasileira não foi uma conquista da tal "turma dos direitos humanos". Um dos artifícios legais mais geradores de impunidade no país, não foi um produto da ação de supostos advogados bonzinhos e liberais, preocupados com a manutenção do direito de seus clientes.

Essa lei se chama Lei Fleury e foi criada pela dura, moral e inflexível Ditadura Militar brasileira.

A Lei Fleury (quase escrevi aqui Lei de Gerson, ato falho talvez...) funciona do seguinte modo: o criminoso, mesmo já julgado e condenado, sendo réu primário pode permanecer em liberdade até que todos os recursos sejam julgados. Ou seja, se o sujeito tiver advogados competentes e bem pagos para conseguir apelações às instâncias superiores, fica em liberdade até que o caso seja decidido definitivamente pela ágil e veloz Justiça brasileira.

Mas por que afinal os implacáveis generais foram assim tão bonzinhos? Ora, porque era necessário dar uma mãozinha ao então delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury, famoso por seus métodos de trabalho peculiares e vítima da perseguição de um grupo de promotores da chamada "turma dos direitos humanos". O delegado Fleury chegou a ser condenado por assassinato mas, beneficiado por essa lei, nunca foi à cadeia.

Hoje a tal lei ainda está por aí, devidamente esquecida, beneficiando gente como o cantor Belo e outros poderosos (de políticos a traficantes, de diretores a jogadores de clubes de futebol) que possuam meios para fazer seus processos andarem a passo de tartaruga pelos trâmites legais.

Não, eu não sabia de tudo isso. Como mero cidadão comum, meus conhecimentos jurídicos são medíocres. Fui apenas surpreendido pelo conteúdo da coluna do Ricardo Setti, no Nomínimo. Leiam ali tudo da fonte. E por favor, amigos advogados, não me condenem se eu tiver escorregado juridicamente e dito alguma bobagem. Peço apenas clemência e suas correções.


terça-feira, janeiro 14, 2003



Ain't Got No
(Ragni/Rado/McDermot)

Ain't got no home,
ain't got no shoes
Ain't got no money,
ain't got no class
Ain't got no skirts,
ain't got no sweater
Ain't got no perfume,
ain't got no beer
Ain't got no man

Ain't got no mother,
ain't got no culture
Ain't got no friends,
ain't got no schooling
Ain't got no love,
ain't got no name
Ain't got no ticket,
ain't got no token
Ain't got no God

What about God?
Why am I alive anyway?
Yeah, what about God?
Nobody can take away

I got my hair,
I got my head
I got my brains,
I got my ears
I got my eyes,
I got my nose
I got my mouth,
I got my smile

I got my tongue,
I got my chin
I got my neck,
I got my boobs
I got my heart,
I got my soul
I got my back,
I got my sex

I got my arms,
I got my hands
I got my fingers,
Got my legs
I got my feet,
I got my toes
I got my liver,
Got my blood

I've got life,
I've got my freedom
I've got the life

And I'm gonna keep it
I've got the life
And nobody's gonna take it away
I've got the life


A letra pode ser ingênua, bobinha, piegas até. Mas esta música na voz da Nina Simone é de arrepiar, levantar a cabeça e dar a volta por cima.

segunda-feira, janeiro 13, 2003



Jornalistas sem carteirinha

Foi no blog do Daniel Pellizzari, indicado no post abaixo, que fiquei sabendo que caiu a obrigatoriedade do diploma de curso superior para o exercício da profissão de jornalista.

Nada mais coerente. Só espero que nenhum dos meus amigos jornalistas me venha protestar e defender posições corporativistas, tais como a do Sindicato dos Jornalistas (fazer listas-negras de não-formados trabalhando na imprensa é dose). Falta de bom senso pode custar pontos na carteira...

Aliás, não deixem de ler o post do Pellizzari a respeito. Procurem lá no blog dele. Hilário.

E, como já disse antes, chega de clubinhos...



Navegando

Nos meus mais recentes momentos de ócio criativo, ao invés de criar algo fiquei mesmo foi navegando pelos vastos oceanos deste mundo blogueiro. Acabei explorando com mais paciência alguns blogs nos quais já havia esbarrado antes e, agora sim, posso dizer: muito bons.

Pra quem ainda não conhece, passo a dica: O Polzonoff, blog do jornalista Paulo Polzonoff Jr., e os blogs do Daniel Galera e do Daniel Pellizzari(vulgo-Mojo), escritores surgidos no falecido zine Cardosonline e agora responsáveis pela Editora Livros do Mal.

Sirvam-se.




Esferográficos pincéis

Gentileza do muilti-facetado Gravataí Merengue no seu blog paralelo de ilustrações pop pós-modernas...





sábado, janeiro 11, 2003



Ciuminhos

O Imprensa Marrom já espinafrou, em texto da Maninha, o alarde que se tem feito em torno da participação de Lula no Fórum Ecônomico Mundial de Davos. Dizem por aí que elementos mais exaltados do PT e dos organizadores do Fórum Social Mundial prefeririam que Lula optasse por ir a Porto Alegre. Prato cheio para a imprensa explorar exageradamente a rivalidade existente entre os dois encontros.

Divagando aqui com meus botões, me pergunto: esses Fóruns são algum tipo de encontro de amigos, uma festinha onde compadres trocam sorrisos e apertos de mão, ou servem mesmo para debater idéias e chegar a algum tipo de consenso?

Porque, se a razão dos Fóruns for realmente o debate de idéias, a presença de Lula em Davos é muito mais importante e significativa do que em Porto Alegre. Aliás, deveriam também convidar os grãos-vizeres do FMI e da OMC para participar das discussões do Fórum de Poá.

Se, em cada um dos lugares, todos compartilharem da mesma visão, para que servirá o debate? Não deve resolver muita coisa cada Fórum ficar discutindo no seu cantinho, confabulando só com sua panelinha. Ou melhor, servirá apenas para gerar duas unanimidades burras. Pobre do esquecido dissenso que, em qualquer debate, é fundamental.

E chega de clubinhos...

sexta-feira, janeiro 10, 2003



Sob juri popular...
da série, repostas longas que viram posts

As discussões políticas estavam em recesso neste blog já há algum tempo. Que tal acabar com isso então?

O blog 168horas publicou um post interessante, comentando a possibilidade do uso da tortura de terroristas para "coleta" de informações. E prevendo que, se isso fosse colocado em plebiscito, a população, mesmo sem jeito, aprovaria o ato. Confiram o post aqui.

Deixei um comentário breve, dizendo que esse é um exemplo de que nem todas as questões podem ser submetidas a referendo popular. Recebi então esta resposta de um outro visitante do blog, o Renato: "Drex, você poderia ser mais específico sobre quais questões o povo pode opinar e sobre quais as "autoridades constituidas" devem impor a sua vontade. Fiquei curioso.Renato"

Não entendi bem se o Renato concordava ou discordava da minha opinião, só sei que me empolguei na resposta e, pra variar, ela ficou longa demais. Tão longa que preferi postá-la aqui no blog...

Renato,

Quero dizer que mesmo num sistema democrático (e podes crer que sou um democrata bastante radical), nem todas as questões são adequadas ao uso da democracia direta (plebiscito). Por isso, como você deve saber, a razão do desenvolvimento da democracia representativa.

A democracia implica em escolha, mas não em escolher ao léu, em uma escolha esclarecida, informada e consciente. Por essa razão, democracia mesmo só existe quando o povo tem educação sólida e informação livre para tomar sua decisão.

Alguns assuntos porém, não permitem isso. Pela complexidade técnica, por envolver interesses muito diversos, por ser sujeito a dúvidas conceituais, por ser assunto muito específico. Não dá pra colocar sob referendo popular assuntos que exijam uma profunda investigação ou discussão anterior. Por exemplo, será que colocar a decisão sobre a polêmica transposição do Rio São Francisco para combater a seca nordestina em plebiscito popular é uma boa saída?

Uma historinha que lembrei agora para ilustrar o assunto: alguns vários anos atrás (nem me lembro quando... era 1989?) houve o tal plebiscito para nosso sistema de governo: Presidencialismo ou Parlamentarismo. Quase já às vésperas da votação, estava conversando com a Antônia, a empregada doméstica lá de casa naquela altura, e perguntei a ela qual seria o seu voto. "Presidencialismo". Por quê? "Ora, porque no Parlamentarismo a gente não vai mais ter direito de votar pra presidente".

Concorde-se ou não com a opção da Antônia, a questão é um pouco mais complexa que isso. E você acha que o povo foi ali minimamente informado do que era esse tal Parlamentarismo ou quais seriam suas implicações?

Na questão específica da "tortura ao terrorismo'", caímos no mesmo caso. Os já combalidos direitos do indíviduo (ou direitos humanos, como queira), que demoraram séculos para serem conquistados, não podem ser postos a mercê de uma situação limite, onde `os fins justificariam os meios`.

O mesmo acontece com a opção pela pena de morte. Acredito que são questões muito suscetíveis a explorações emocionais para serem colocadas sob um referendo popular. Muito e facilmente manipuláveis por um discurso populista e simplificador.

Achar que o uso generalizado do plebiscito popular fortalece a democracia ou o poder do povo é uma ilusão. E, por favor, não veja isso como uma posição elitista ou aristocrática. Acredito muito que a participação popular mais direta e mesmo o uso dos plebiscitos ainda podem ser muito melhor explorados (a exemplo dos orçamentos participativos), mas com cuidado de distinção. Ou então caímos na ditadura das massas, que não tem nada a ver com democracia.

Abraço,

Drex


segunda-feira, janeiro 06, 2003



Agora com fotos

Alguém aí ainda se lembra do Diário de Bordo de Machu Picchu? Pois é, acabei de colocar lá algumas fotos dos primeiros dias de viagem. Ah, e se alguém não conseguir visualizá-las, por favor me avise.

Mais divagações sobre o restante da viagem brevemente disponíveis nas melhores casas do ramo...



Decisões

Primeira resolução drástica do ano: arrancar daqui o Enetation e ficar definitivamente com o Yaacs. Esse negócio de ter dois sistemas de comentários se tornou uma coisa, digamos assim, redundante.

Lamento pelas garrafas perdidas. Mas já me sinto uma pessoa mais leve...

domingo, janeiro 05, 2003



Quando eu penso no futuro,
não esqueço o meu passado.


Paulinho da Viola



Para não dizerem que não falei da virada...

Quem me conhece mais de perto sabe que costumo dizer que o ano de 2002 foi para mim um ano de retomada, de renascimento, de redescobrimento. É claro, coloquem nesses termos uma certa tendência em dramatizar sobre a vida (e quem me conhece mais de perto sabe que eu adoro fazer isso, principalmente acompanhado de cerveja e provolone à milanesa) mas, de certa forma, isso contém muito de verdade.

Depois de um período nebuloso, muitas coisas se clarearam neste ano. Algumas chuvas e trovoadas, vocacionais, existenciais e sentimentais, se dissiparam e deu para perceber que nem tudo precisa estar decidido ou estabelecido já aos 26 anos de vida. Muitas coisas novas podem surgir, muitas coisas velhas mudam. E assim foi em 2002: interesses e sonhos resgatados, iniciativas renovadas, planos diferentes, novos amigos, nova namorada, novo entusiasmo.

Isso não é renegar ou desgostar do passado. Vejo isso apenas como andar para frente. Espero que neste caminho eu possa levar junto também os velhos amigos e somar as novas às velhas conquistas. Só sei que há ainda muito o que fazer daqui para frente.

Tudo isso pode parecer muito vago escrito assim aqui. Só queria mesmo deixar isso aqui registrado, já que este bloguito, todas as pessoas que conheci aqui e neste universo doido, todas as pessoas que comentam e deixam aqui seu pitaco, todos aqueles que simplesmente lêem o "Cartas" por acaso, tudo isso é parte grande desta mudança. Uma mudança talvez não muito concreta, mas pelo menos uma mudança de atitude. E 2003 está só começando...

Desculpem de novo a dramatização, mas obrigado mesmo.