terça-feira, outubro 11, 2005

Traindo Evelyn Waugh



It seems to me that a prig is someone who judges people by his own, rather than by their, standards; criticism only becomes useful when it can show people where their own principles are in conflict.


A frase acima foi pinçada de um dos últimos pocket-books de 7 reais da Penguim que comprei, The Coronation of Haile Selassie, de Evelyn Waugh. É um pequeno ensaio sobre a coroação do último Imperador da Etiópia, em 1937, testemunhada in-loco pelo escritor inglês. Minha primeira leitura dele e eu, que esperava algo muito mais satírico, fui surpreendido por um equilíbio elegante entre fidelidade jornalística, ironia aristocrática e sensibilidade sincera.

Essa frase, no entanto, nao tem nada a ver com a Etiopia. Faz parte de um trecho do ensaio onde Waugh faz uma pausa na narrativa de viagem e parte para algumas divagações sobre o jornalismo. Esse trecho é tão interessante que me deu vontade de traduzí-lo. Para praticar um pouco, afinal. Tradução é algo que me interessa. Quem sabe, uma atividade futura, pós virada de mesa. E captar a elegância do texto do Waugh me pareceu um desafio interessante para um exercício amador. Pretensioso, vá lá, mas não me importo em fracassar.

Particularmente, foi essa tal frase, a mesma me capturou especialmente, a que mais me ofereceu dificuldade. No final, a traduzi assim:

Parece-me que ser pedante é ser alguém que julga os outros, ao invés de com os critérios destes, com os seus próprios; a crítica só se torna útil quando se pode demonstrar às pessoas que seus próprios princípios estão em conflito.

Não gostei. E aceito sugestões.

Enfim, vou colocar o trecho todo aí embaixo. Vale a pena ler, apesar da tradução.

Foi muito interessante para mim, quando os jornais começaram a chegar da Europa e da América, comparar minhas próprias experiências com aquelas dos diferentes correspondentes. Eu tinha a sorte de trabalhar para um jornal que valorizava a acuidade dos fatos antes de qualquer outra coisa; mesmo assim fui traído por alguns erros. À economia telegráfica pode-se creditar alguns deles, como quando “Abuna”, o título do primado da Abissínia, acabou expandido por um zeloso sub-editor para “Arcebispo de Abuna”. Nomes próprios frequentemente acabam sendo de alguma forma corrompidos e transposições curiosas de frases inteiras ocasionalmente acontecem, de modo que em algum lugar entre Addis Ababa e Londres fui pego pela surpreendente afirmação de que George Herui havia servido na equipe de Sir John Maffey no Sudão. Erros deste tipo parecem inevitáveis. Minha surpresa, ao ler as reportagens sobre a coroação não foi a de que meus mais impetuosos colegas tenham se permitido desconsiderar alguns detalhes ou ainda que tenham caído em algum exagero ocasional sobre os aspectos mais românticos e incogruentes do acontecimento. Pareceu-me, na verdade, que havíamos sido testemunhas de uma série bastante diferente de eventos. “Trazer primeiro as notícias” e “dar ao público o que ele quer”, os dois princípios dominantes da Fleet Street, nem sempre são conciliáveis.

Não pretendo fazer com isso nenhuma condenação convencional à “imprensa marrom”. Parece-me que ser pedante é ser alguém que julga os outros, ao invés de com os critérios destes, com os seus próprios; a crítica só se torna útil quando se pode demonstrar às pessoas que seus próprios princípios estão em conflito. É perfeitamente natural a um jornal barato procurar entreter ao invés de instruir, e dar prioridade ao que é surpreendente e frívolo sobre o que é importante mas tedioso ou inintelegível. “Se um cachorro morder um homem, isso não é nada; se um homem morder um cachorro, isso é notícia.” Minha reclamação é que na luta pela precedência a imprensa barata está abandonando os próprios critérios de serviço ao público que ela mesmo estabeleceu para si própria. Quase todo jornal de Londres, hoje, prefere uma matéria incompleta, inacurada e insignificante sobre um evento, desde que ela possa ser publicada mais cedo que seus concorrentes. Mas o público não está preocupado com essa competição. O leitor, abrindo seu jornal durante o café-da-manhã, não tem nenhum interesse vital sobre, por exemplo, a situação da Abissínia. Um acidente de avião ou uma luta de boxe podem ser casos diferentes. Nestes casos, ele simplesmente quer saber dos resultados o mais cedo possível. Mas a coroação de um imperador africano significa pouco ou nada para ele. Ele pode ler sobre isso na segunda ou na terça-feira, não ficará impaciente. Tudo que ele quer da África é algo que o divirta durante a viagem de trem ao trabalho. Ele terá a mesma diversão seja ela na terça quanto na segunda-feira.O dia de atraso fará diferença, para o correspondente no local, se ele terá tempo para desenvolver uma matéria detalhadamente informada (e, em quase todos os casos, quanto melhor informada é a matéria, maior é o entretenimento que oferecerá ao leitor). Ou pelo menos isso faz esta diferença. Os fatos dentro de um jornal se tornam divertidos e excitantes a medida que a eles é dada a credibilidade de eventos históricos. Qualquer pessoa, sentada por algumas horas a frente de uma máquina de escrever, é capaz de compor uma matéria que seria ideal a qualquer editor de notícias. Desenvolveria algo sobre mortes dramáticas na família real, trens descarrilhados, lançaria o país a guerra civil, descreveria brutais e insolúveis assassinatos. Todas estas coisas seriam profundamente interessantes ao leitor a medida que ele acredita que se tratam da descrição da verdade. Se lhe fossem oferecidas como ficção tornariam-se imensamente insignificantes. (E isto demonstra a imensa lacuna que separa o escritor do jornalista. O valor do romance depende do padrão que cada livro desenvolve para si mesmo; eventos que não possuem nenhum valor como notícia podem ganhar um valor qualquer de importância de acordo com seu lugar na estrutura de um livro assim como de sua relação com outros eventos da história, da mesma forma que cores secundárias são capazes de ganhar grande intensidade em certas fotografias). O prazer de se ler os jornais populares não vem, exceto muito indiretamente, do seu direcionamento político ou dos seus “artigos de opinião”, mas da hábil iluminação que lança sobre os lugares mais estranhos – frases ouvidas nas delegacias policiais, declarações feitas ao público em cidadezinhas do interior – que repentinamente revelam inesperados novos modos de vida. Se isso se tratasse de pura invenção perderia todo o seu interesse. Assim que alguém perceba que tal reportagem foi escrita como uma sátira, propositadamente, por um jovem repórter sentado em seu escritório, não há mais nenhuma graça nas opiniões indignadas tão dogmaticamente expressas na coluna das correspondências.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sinceramente acho que o problema com a tradução é o início. Antes de ler sua tradução voltei ao texto original para ver como eu faria e estanquei no início. Não consegui pensar em algo que, no português, não causasse uma quebra na corrente de idéias. Parece-me que você também não conseguiu, tente pensar em algo. ;) By the way... gostei muito do texto.

Odorico Leal disse...

Olá,

O texto é excelente; há um incômodo na tradução, mas não consigo perceber exatamente o que é.

Vi "A Vida Marinha" por estes dias e lembrei que você tinha escrito um texto sobre. Eu também tinha as maiores expectativas, pq aqueles excêntricos são alguns dos meus melhores amigos. Mas, para mim, o novos excêntricos, estes da Vida Marinha, funcionaram. Tem o mesmo humor inocente e perverso do outro filme. Me comoveu, enfim.

Vamos esperar pelo próximo.

Abraço,