sexta-feira, novembro 23, 2012

Black Friday: o Inferno do Economista Comportamental

Tradução livre (e rápida) do artigo de Kevin Roose publicado na New York Magazine.















Existem muitas, muitas razões para você não entrar nessa história de Black Friday. Você pode preferir dormir, ou mesmo passar um pouco mais de tempo com a família, ao invés de pegar uma fila de shopping às 2 horas da manhã. Talvez você se recuse por motivos humanitários, protestando contra os horários cada vez mais abusivos dos grandes varejistas, que obrigam seus funcionários a trabalhar no meio do feriado prolongado, batendo cartão em plena madrugada (muitos deles sendo chamados ao trabalho no próprio dia de Thanksgiving).

No entanto, entre todas as razões que existem para que uma pessoa inteligente não participe da Black Friday, eis a principal: ela foi cuidadosamente planejada para que você se comporte como um idiota.

O principal problema da Black Friday, na perspectiva de um economista comportamental, é o fato de que todos os incentivos que o consumidor poderia ter para aproveitá-la – a promessa de ter descontos enormes em produtos geralmente caros, como TVs ou computadores, a oportunidade de aproveitar esse dia e fazer toda a sua compra de Natal de uma só vez – são incentivos que se revelam ilusórios ou, simplesmente, são frustrados pelo tipo de comportamento que encontramos do outro lado do balcão. O país todo fica envolvido num experimento que testa a irracionalidade do consumidor, tudo muito bem maquiado para parecer um programa divertido para o meio do feriado.

O pesquisador Dan Ariely descreve em seu livro “Predictably Irrational” (Previsivelmente Irracional): “Repetimos sempre os mesmos tipos de erros, indefinidamente, porque nosso cérebro parece estar programado para isso”.

É claro que isso também se aplica aos outros 364 dias do ano. Mas na Black Friday, nossa capacidade de decidir racionalmente vai ao seu nível mais baixo, justamente porque o varejo se esforça ao máximo para maximizar as nossas más decisões. Aqui estão algumas das armadilhas em que você provavelmente cairá nesta sexta-feira:

A “Superoferta” - É geralmente um item mais caro, mais cobiçado (tipicamente uma TV ou algum outro eletrônico) que os lojistas anunciam num preço extremamente baixo. (A BestBuy anunciou neste ano uma TV Tela Plana da Toshiba por US$ 179.99, por exemplo). Os lojistas chamas esses ítens de “Grandes Prejuízos”, mas, na verdade, é raro que sejam vendidos realmente abaixo do preço de custo. Na maioria das vezes são itens com uma margem de lucro bem pequena, reduzida ao máximo para que você seja atraído para dentro da loja. Uma vez lá dentro, você provavelmente você vai levar outras coisas pelo seu preço normal, com altas margens de lucro embutidas.

Este é o principal segredo do varejo na Black Friday: você simplesmente não vai comprar só a TV. Vai levar também os cabos HDMI revestidos, o suporte para pendurar a TV na parede (e sua taxa de instalação, é claro), o cabo de força alternativo, e o jogo de Xbox que chamou sua atenção quando você passava pelo corredor. Desse modo, no momento em que chega ao caixa, todo o desconto que você tinha aproveitado na TV já desapareceu pelo caminho.

A “Escassez Sugerida” - A estratégia aqui é conquistar o interesse pelo produto martelando a mensagem de “quantidade limitada” ou “somente 2 unidades por cliente” o que leva a pensar que estamos diante de uma oportunidade realmente imperdível. É o típico marketing da enganação, e em nenhuma época do ano é usado mais descaradamente que na queima da Black Friday. (É claro que há também escassez de verdade na Black Friday - quando o lojista coloca, por exemplo, apenas 50 ou 100 unidades para vender como “Superoferta” – o que faz você correr o risco de ser o 51º da fila, perder seu tempo e ainda ficar de mãos abanando. O que seria pior afinal?)

O “Auto-Engano Motivador” - Muitos consumidores ficam felizes ao somar todos os descontos que ganharam na Black Friday, mas se esquecem de colocar na conta os fatores “indiretos” do seu dia de compras – combustível, deslocamento, estacionamento, taxas de garantia, trocas. (Sem falar em perder seu tempo de feriado numa fila de shopping). Se tudo for colocado no papel, existe grande chance de chegarmos a conclusão que não foi um negócio tão bom assim.

A “Escalada Irracional” - Este é um comportamento muito interessante, a velha ilusão do“já cheguei até aqui, vamos compensar esse prejuízo”. As pessoas costumam ter dificuldade para desistir de situações onde estão se dando mal financeiramente. Isso acontece muito na Black Friday. Você já fez seu investimento inicial, o péssimo investimento de acordar às 2 da manhã, dirigir até o shopping, brigar por uma vaga no estacionamento, esperar na fila as lojas abrirem. Para compensar isso tudo, você se sente disposto a comprar ainda mais do que previa antes. (Já estou aqui mesmo, por que não aproveitar para gastar mais 100 dólares?)

Um dos meus estudos favoritos na área da economia do comportamento se chama “Previsores Neurais do Processo de Compras” (link disponível no artigo original) onde, monitorando as ondas cerebrais de alguns “consumidores-cobaias”, foi possível registrar como o processo de compra é profundamente irracional. Os pesquisadores descobriram que assim que o comprador descobre que um determinado preço está abaixo do que ele esperava, seu córtex central pré-frontal (a região do cérebro responsável pela tomada de decisões) se ilumina, enquanto que preços acima do esperado fazem disparar a ínsula (região que processa a dor). A atividade cerebral demonstrou forte correlação com o fato dos consumidores acabarem comprando determinado produto ou não.

A “Anestesia de Curto-Prazo” - Os economistas geralmente acham que as escolhas do consumidor, ou do “mercado”, são baseadas em frias e racionais análises de custo-benefício – um monte de pessoas dizendo a si mesmas “Será que ter uma TV grande por US$ 179,99 agora vai me trazer mais prazer que deixar US$ 179,99 no banco para fazer outras coisas no futuro?” – mas esse estudo de 2007 demonstra que, definitivamente, os consumidores não se comportam dessa maneira. A escolha, na verdade, é entre duas opções bem concretas e de curto-prazo : “prazer imediato” ou “dor imediata”.

Isso explica o porquê de, durante a Black Friday, os varejistas tirarem da cartola todos os seus truques para minimizar a “dor imediata” da compra: parcelamento à longo prazo no cartão de crédito, parcelas de pequeno valor, cartões de fidelidade com “bônus” para cada compra, cartões de crédito próprios das lojas acumulando pontos de incentivo, etc. O problema destas fórmulas de anestesia do curto-prazo, obviamente, são suas consequências de longo-prazo – taxas de juros astronômicas e outras diversas taxas escondidas.

As “Justificativas do Pós-Compra” - Quando compramos um produto muito caro, costumamos menosprezar seus defeitos e falhas simplesmente para justificar nossa decisão anterior. Na Black Friday, o investimento é mais do que financeiro – nos envolvemos emocionalmente, um dia após o Thanksgiving, nesse ritual estranho de se colocar numa fila gigantesca, acompanhados de amigos e parentes, aguentando o frio e o sofrimento, em busca de aparelhos eletrônicos baratinhos. Após a compra, esse excesso de investimento leva a um excesso de racionalização das justificativas que, junto com o pesadelo que é pensar num processo de troca/devolução nas grandes lojas, faz com que acumulemos um monte de coisas mesmo não estando minimamente satisfeitos com elas.

É isso mesmo. Na visão dos economistas do comportamento, fazer compras nos outros 364 dias do ano é equivalente a enfrentar um tiroteio armado com uma faca. Mas fazer compras na Black Friday é como entrar no mesmo tiroteio empunhando uma faca de massinha-de-modelar. Entre os truques do varejo e nossas próprias falhas cognitivas, você não tem quase nenhuma chance de poupar algum dinheiro de verdade ou sequer tomar decisões racionais. (E, além de tudo, você pode ser roubado no caminho).

Na verdade, é bem possível que apenas ficar aqui dizendo para você não aderir à Black Friday faça com que você ative seu “viés da contradição” (a tendência de se fazer sempre o oposto do que alguém te recomenda) e saia correndo atrás desse carnaval de ofertas e descontos. Se for esse o caso, boa sorte. Você vai precisar.


2 comentários:

Sara disse...

Eu acho que Black Friday é muito limitado, porque geralmente utilizado apenas para eletrônica ou itens de vestuário mas deve aplicá-lo em restaurantes é um empreendimento que eu acho que você quer fazer o la caballeriza para atrair muito mais público.

lilla disse...

Não comprei picas no Black Friday porque o daqui não é tão "atrativo", mas também não tinha pensado em nenhum dos pontos que li aqui.

Que medo de gente, né? A gente adora uma ilusão. hahahahaha