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terça-feira, setembro 23, 2003
Intriga Internacional
Semana passada assisti a "Intriga Internacional", um dos clássicos do Alfred Hitchcock. Eu, que esperava um filme com o clima soturno de Os Pássaros ou um suspense a la Psicose, me surpreendi bastante. Acabei não levando nada daquilo que tinha comprado.
Intriga Internacional é um filme de ação, cheio de bom humor, tiradinhas sarcásticas e cenas de perseguição. Nada de profundidade psicanalítica ou metáforas sombrias. Apenas uma trama intrincada de espionagem, conduzida com leveza e sem nenhum compromisso com a verossimilidade. Só diversão, ora pois.
E ainda temos também a famosa cena do avião. Hitchcock coloca nosso mocinho, Roger Thornhill (interpretado por Cary Grant), no meio de uma estrada em pleno deserto do Meio Oeste americano. Thornhill, um mero executivo de propaganda, teve sua identidade confundida com a de um agente secreto e está agora fugindo tanto da polícia quanto de espiões internacionais. Ao mesmo tempo, ele próprio tenta descobrir por que raios aconteceu a tal confusão. Marcou um encontro nesta estrada com um outro espião. Desce do ônibus e fica ali, no meio do descampado inóspito, esperando alguém que sequer sabe quem é. Hitchcock segura essa espera, sem nenhum diálogo, durante 7 minutos. Impensável hoje em dia. E, depois de toda essa expectativa, coloca um avião monomotor para perseguir Thornhill pelo deserto.
Claro, seria muito mais fácil matar o mocinho com um tiro na cabeça. Mas, afinal, o que seria dos filmes de ação se todos os vilões fossem práticos e objetivos? Em outras cenas também é preciso entrar na onda do filme. Não dá para levar a sério diversas das situações de ação. Mas isso é comum em todo filme desse tipo - independente dos efeitos especiais disponíveis, é a fantasia que manda. E dentro da sua fantasia, o filme se fecha direitinho.
Além de boa diversão, Intriga Internacional traz um dos diálogos de sedução mais legais que já vi no cinema. Bastante ousadinho para a época, aliás. Dá pra ver que, mesmo em 1959, quem comandava o jogo já eram as mulheres.
Thornhill está fugindo da polícia, seu rosto já está nas manchetes de todos os jornais. Ele foge pela estação ferroviária e consegue entrar num trem já de saída. No corredor, tromba com uma desconhecida, Eve Marie Saint, e ela acaba ajudando-o a despistar a polícia. Mais tarde eles se encontram no vagão-restaurante.
O diálogo em inglês você pode conferir aqui, no roteiro original. Traduzi o mesmo trecho aí embaixo, só por diversão mesmo. Saboroso.
Intriga Internacional - cena do vagão-restaurante
- tradução livre do roteiro de Ernest Lehman -
Ao tentar se despistar do fiscal ferroviário, Roger Thornhill entra no vagão-restaurante e acaba sentando-se na mesma mesa da garota com quem havia esbarrado anteriormente. Seus olhares fogem por alguns instantes. Mas se encontram logo.
- Bem, juntos de novo...
- É...
Thornhill olha o menu.
- Me recomenda alguma coisa?
- A truta. Um tanto apimentada, mas muito boa.
- Me convenceu.
O garçon anota o pedido. Thornhill olha a sua volta, está preocupado em ser reconhecido pelos passageiros. Quando se volta para Eve, é ela quem o está encarando.
- Eu sei. Devo parecer vagamente familiar para você.
- Parece.
- Você deve sentir que me conhece de algum lugar...
- Sinto.
- É engraçado, a todo lugar que vou tenho esse efeito nas pessoas. Deve ser alguma coisa com meu rosto...
- É um belo rosto.
- Você acha mesmo?
- Nunca teria dito se não achasse.
- Ah, então você é desse tipo...
- Que tipo?
- Honesta.
- Não muito...
- Ainda bem. Mulheres honestas me dão medo.
- Por que?
- Me sinto em desvantagem diante delas.
- Porque você não é honesto com elas...
- Exatamente.
- Algo como essa estória de estar fugindo da polícia por causa de contas atrasadas...
- O que eu quero dizer é o seguinte: no momento em que eu encontro uma garota atraente, automaticamente eu tenho que começar a mentir que não quero fazer amor com ela.
- E o que faz você achar que deve mentir?
- Ora, ela pode achar a idéia inconveniente.
- Ou, quem sabe, talvez não.
- Sou mesmo sortudo de terem me sentado aqui, não?
- Sorte não tem nada a ver com isso.
- Destino?
- Eu dei cinco dólares ao garçon para trazer você aqui caso você entrasse.
Grant olha Eve por um longo momento.
- Isso é uma proposta?
Eve olha Grant de volta pelo mesmo longo momento.
- Eu nunca faço amor de estômago vazio.
- Mas você já comeu.
- Mas você não...
Eles se olham, congelados com um sorriso no rosto. E o garçon chega trazendo o jantar para Thornhill.
- Você não acha que já é hora de nos apresentarmos?
- Meu nome é Eve Kendall. Vinte e seis anos e solteira. Agora você já sabe de tudo...
- E o que você faz além de arrasar com os homens dentro de trens?
- Trabalho com design industrial.
- Eu sou Jack Phillips. Gerente de vendas da Kinby Electronics.
- Não, você não é não. Você é Roger Thornhill, da Avenida Madison, e você está sendo acusado de assassinato em todos os jornais do país. Não seja tão modesto.
- Oops...
- Não se preocupe. Não vou dizer nada.
- E porque razão?
- Eu já te disse - você tem um belo rosto.
- Só por isso?
- Bem, esta vai ser uma noite longa...
- Isso é uma verdade.
- E particularmente eu não gostei do livro que acabei de começar...
- Ah...
- Entendeu?
- Exatamente...
Eve coloca um cigarro nos lábios e olha para Thornhill. Ele tira os fósforos do bolso e risca um deles. Ela pega na sua mão e conduz a chama até o seu cigarro.
- Eu te convidaria para ir ao meu dormitório, se eu tivesse um dormitório, arrisca Thornhill.
- Nem uma cabine?
- Nada, nem mesmo uma passagem. Estou brincando de esconde-esconde com o fiscal desde que saímos de Nova Iorque.
- Que desagradável para você, não?
- Sem lugar para dormir...
- Eu tenho um dormitório extra-grande todinho pra mim.
- Isso não é justo, é?
- Vagão E, dormitório três-nove-zero-nove.
- Bonito número.
- Fácil de lembrar.
- Três-nove-zero-nove.
- Viu?
- Estou sem bagagem...
- E?
- Você não teria um par de pijamas extra, teria?
- E por que não teria?
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