segunda-feira, novembro 24, 2003




"Mr. Blaine, you're becoming your best client"


Devo ter visto Casablanca em alguma sessão do Supercine, num sábado longínquo perdido na minha pré-adolescência. Ou talvez não tenha sido nada disso, e eu esteja apenas me confundindo com aquela vinheta de abertura inspirada em "As Time Goes By". Ou, quem sabe, tenha sido numa das vezes em que, num arroubo de rebeldia, eu tentava segurar o sono e partir numa incursão proibida rumo às madrugadas da Sessão de Gala.

Mas a memória já ficou vaga, turva, palidamente envelhecida. Mais um daqueles filmes que eu tenho certeza que vi, sei que gostei, mas não me lembro bem porque. É algo parecido com encher a cara numa baita festança e, no dia seguinte, só ter uma leve lembrança do que aconteceu. Você tem pra si que foi bom, que valeu a pena, mas também já não tem muita certeza se foi você mesmo que gostou, ou se sua opinião é apenas um eco do que seus amigos lhe contaram depois.

Tudo bem, a analogia é fraca. Vamos tentar de novo. Pensem num amor adolescente, na menina ou no garoto que pipocou o primeiro amor platônico no seu coraçãozinho inocente. Naquela que você mirava sempre quando, durante os bailinhos de garagem, a vassoura começava a rodar. Invariavelmente, você deve ter sentido um aperto danado no peito, um medo do cão de ser rejeitado. Mas, hoje, são restam só doces lembranças.

Agora acho que exagerei. Mas enfim, você já deve ter sacado aonde quero chegar com tantas delongas. Afinal, faz algum sentido reencontrar o tal amor platônico, apenas para certificar-se se realmente ele era tudo isso? Se merecia de verdade aquelas tão cândidas e emolduradas memórias?

O bom senso, a canja de galinha e qualquer manual de auto-ajuda diriam categoricamente que não. Não valeria a pena, em hipótese alguma, procurar o seu precoce amor eterno e correr o risco de encontrar alguém, digamos assim, com todas as características não compatíveis com seus requisitos atuais para o possível amor eterno. Com essas coisas não se brinca, traumatizar um adulto pode ser mais fácil que traumatizar uma criança. Certas zonas psíquicas devem ser preservadas, portanto.

Mas, enfim, como cautela demais também faz mal à saúde, fui passar minhas memórias a limpo. Revi Casablanca uma, duas, três vezes. E não, ali não há a menor possibilidade de se perder o encanto.

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