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segunda-feira, junho 23, 2003
10 pãezinhos - Entrevista com Fábio Moon
(publicada anteriormente no site Scream&Yell)
Dizem por aí que ter um irmão gêmeo provoca sérias crises de identidade. Não deve ser nada fácil então para Fábio Moon e Gabriel Bá que, além de irmãos gêmeos, trabalham juntos em uma mesma atividade. "É como ser chefe de você mesmo" analisa Fábio, filosoficamente.
Para complicar, ambos escolheram uma área que, no Brasil hoje, é quase missionária: a de desenhar histórias em quadrinhos. Uma religião apaixonada, mas sem possibilidades lucrativas. Parece, no entanto, que nem as crises de identidade nem o cenário estagnado conseguem desanimar quem gosta mesmo do que faz.
A dupla já carrega essa bandeira desde 1997, quando criaram o fanzine 10 pãezinhos. Entre idas e vindas, o 10 pãezinhos já teve mais de 40 números impressos. Lançaram também dois livros pela editora Via Lettera, o premiado "O Girassol e a Lua" e "Meu Coração, Não Sei Por Que", além de outros trabalhos publicados na revista Front e no álbum "10 na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol".
Depois de algum tempo sem lançar edições do zine, Fábio e Gabriel estão de volta. A edição especial de relançamento do 10 pãezinhos , "Feliz Aniversário, Meu Amigo", conta a estória de um jovem "fantasma" que volta para reencontrar os amigos. E o local deste reencontro, retratado nos traços fiéis de Fábio Moon, é um lugar sui-generis para o público de rock de São Paulo: o bar Funhouse. "Nada mais natural do que levar os seus amigos para os lugares legais que você freqüenta" explica o autor-desenhista-personagem. Como não poderia deixar de ser, a festa de lançamento da revista aconteceu também no mesmo local.
Ambientada num lugar real e retratando os próprios autores, "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é uma estória de amizade, de reencontros e partidas. Apesar de simples, surpreende pela emoção sincera. E é um barato identificar cada lugar da Funhouse nos enquadramentos espertos do desenho de Fábio.
Não vou cair na tentação de tentar descrever o estilo do traço da dupla. Melhor seria você conhecer mais o trabalho deles e conferir com os próprios olhos. Leia a entrevista e, depois, dê um pulo no site da 10 pãezinhos ou no blog 10 loucos, onde vira-e-mexe algumas tiras são publicadas. Para comprar a revista "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é possível ir direto neste endereço.
O S&Y foi conversar com Fábio Moon para saber um pouco mais sobre quadrinhos, amigos e rock'n'roll. Confira.
S&Y: Começando pelo começo, como surgiu o "10 pãezinhos"?
Fabio Moon: Surgiu da nossa vontade, em 1997, de fazer histórias em quadrinhos sem nos importarmos com dificuldades de mercado ou grana. Decidimos então criar um fanzine e sair por aí vendendo. Esse fanzine se chamava 10 Pãezinhos. O (Gabriel) Bá que inventou o nome.
São mais de 5 anos de estrada. Como foi a batalha de lá pra cá? Já há algum momento que vocês podem dizer que foi marcante?
Marcante mesmo foi ganhar o HQ Mix de melhor fanzine e de desenhista revelação em 2000, mesmo ano em que estávamos lançando o nosso primeiro livro do 10 Pãezinhos, "O Girassol e a Lua".
Você falou em meter as caras e não se importar com mercado ou grana. Existe espaço para esse tipo de quadrinho independente no Brasil? Dá para pelo menos bancar o trabalho?
Bancar o trabalho ou bancar a impressão? A impressão dá. Você sai por aí vendendo suas revistas, seus fanzines, vai num desses pontos especializados dos fãs de quadrinhos, vende um pouco mais por lá, depois continua vendendo cada vez mais... Um dia você vende o suficiente pra pagar a gráfica, aí você continua vendendo e tem algum lucrozinho. Mas nada que dê para ganhar a vida. Você acaba fazendo o trabalho para tentar criar um público leitor de quadrinhos, mostrar as possibilidades das histórias em quadrinhos como um meio de contar todos os tipos de histórias.
Mas dá pra viver de "desenho" no Brasil? Eu quero dizer, com outros trabalhos paralelos à HQ... O que mais vocês fazem, por exemplo?
Dá para viver de desenho no Brasil. Você pode fazer ilustração, fazer storyboard para propaganda, pode tentar a vida como “designer" e ficar criando logos e outras coisas mil com um computador, mas com história em quadrinhos, trabalhando para o mercado brasileiro, não tem como ganhar a vida desenhando. Eu e o Bá, por exemplo, fazemos ilustrações para a revista infantil "RECREIO", da Editora Abril.
Então HQ ainda funciona muito mais na base do idealismo mesmo...
Acho que é mais do que isso. O ideal seria ter gente que faz quadrinhos para gente que paga pelo trabalho e publica para gente que lê quadrinhos. Existe para mim e para o Bá uma necessidade de contar histórias, de atingir um público, leitores ou não de quadrinhos.
O problema é que essa roda demora pra engrenar, né? Falando nisso, como vocês sentem o cenário de HQ no Brasil hoje? Tem muita gente se mexendo? Que publicações recentes vocês podem indicar?
Tem um pessoal de Londrina que faz a revista "Tipos", que você pode conseguir pelo e-mail scripthq@hotmail.com. Eles correram atrás de Lei do Incentivo e tudo mais, estão já no número três, fazendo o quatro. O que falta ainda na qualidade do trabalho é compensado pela energia bruta e sincera das histórias. Na internet, não dá para deixar de falar da Nona Arte, que vem publicando HQs inéditas de vários artistas, fazendo fanzine virtual (e de papel também), lançando revista, livro e o escambau. E tem a gente, né?
É claro... Você comentou a respeito do nome: ainda dá pra lembrar de onde o Bá tirou "10 pãezinhos"?
O fanzine deveria ser como as histórias que contaríamos nele: algo cotidiano, tanto para nós como para os leitores, uma necessidade básica de toda semana, de toda segunda-feira para ser mais exato. E para nós não havia nada mais cotidiano, nada mais "todo dia" do que comprar dez pãezinhos no café da manhã. Crescemos com dez pãezinhos na mesa do café.
Inspiração na padaria do seu Manoel, então...
Pois é. Até pensamos em outros nomes, mas aí o Laerte nos disse: "Tem que ser um nome em português". Achamos que o nome foi português até demais...
Em HQ quais são as influências de vocês? Começaram lendo Marvel e DC também?
Antes da Marvel e da DC, acho que vieram os quadrinhistas nacionais. Crescemos com todo o tipo de gibi. Passamos pela "Mônica", pelos gibis da Disney, passamos pela revista "Mad" até que descobrimos a revista "Chiclete com Banana". Foi uma revolução. Tinha palavrão, mulher pelada, sexo. Tinha uma cidade como a nossa (era a nossa), tinha o Angeli, o Bob Cuspe e a Mara Tara. Foi de uma criatividade ímpar nas revistas que comprávamos toda semana. Aí veio o Laerte, Deus do quadrinho nacional, com a "Piratas do Tietê". Depois de todo esse material nacional, a gente descobriu os super-heróis e pirou neles. Até hoje, eu adoro super-heróis, tem revista que eu compro todo mês, minha mãe também adora e todo mundo em casa acaba lendo. Mas depois de todo esse tempo lendo quadrinhos, quando chegou a a hora de fazer quadrinhos, a gente acabou voltando para o que nos parecia mais próximo: estórias mais pessoais sobre o cotidiano, sobre a nossa cidade, sobre duas pessoas que se apaixonam.
Sobre estas estórias como essa da edição especial de relançamento do "10 pãezinhos", a "Feliz Aniversário, Meu Amigo". Essa estória se passa num lugar real, o Funhouse (bar de rock alternativo em São Paulo). Como surgiu essa idéia?
A idéia dessa história partiu da falta que eu sentia dos amigos. Aí, eu queria meus amigos perto de mim e pensei: "e se eu pudesse trazer meus amigos para perto? Mesmo os que estão longe demais? Mesmo os que estão mortos?" Daí o resto foi natural, pois nada mais natural do que levar os seus amigos para os lugares legais que você freqüenta, e eu e o Bá freqüentamos o Funhouse.
A personagem principal dessa revista, o amigo "fantasma" que já partiu e que agora volta para reencontrar os amigos, é baseado em alguém em especial que você perderam, ou se trata de uma metáfora mais geral mesmo?
A metáfora é geral. Aliás, tudo na história é metafórico, não só o amigo "morto". Todos os amigos representam um lado da amizade. Ir ao Funhouse é metafórico. É sair para se "divertir".
Sem dúvida... Eu vi em "Feliz Aniversário" uma estória muito bonita sobre amizade e sinceridade. Para vocês ela é sobre isso também?
Para nós, ela é um presente de aniversário para todos os nossos amigos. E para todos os nossos leitores. É o nosso guarda-chuva...
Vocês citaram, e desenharam, vários amigos reais na estória, além de vocês próprios é claro. É a primeira vez que vocês fazem isso?
Não. O vilão do nosso primeiro livro, "O Girassol e a Lua", era baseado numa pessoa real. A mocinha do nosso segundo livro, "Meu Coração, Não Sei Por Que", era baseada numa pessoa real. Os personagens legais estão por aí, nem sempre precisamos inventá-los.
Existe um sentimento diferente nisso? Quero dizer, ao invés de fantasiar, usar personagens reais e ambientar a estória em lugares verdadeiros. Posso dizer que vocês fazem um "quadrinho confessional"?
Acho que isso cria uma outra textura para o trabalho. Não usamos referências necessárias para entender a história, mas é um detalhe a mais.
Principalmente nesta revista, dá pra sentir uma forte relação com a música, principalmente o rock alternativo... Esta é mesmo uma fonte de inspiração?
A música tem um impacto muito grande na maioria de nós e é um dos motivos que motiva as pessoas a irem a locais como aquele. Esse tipo de rock, às vezes barulhento, às vezes melódico, muitas vezes incompreensível e, em momentos especiais, poético, representa muito a confusão em que vivemos hoje. A idéia de situar a história num bar de rock joga com esse conceito e apresenta o desafio de transpor para a página essa energia da música.
Mudando um pouco de assunto, como é então ter um irmão gêmeo que, além de fazer a mesma coisa, trabalha junto com você?
É como ser chefe de você mesmo e ao mesmo tempo ter alguém com quem gritar. Isso com a certeza de que você não será despedido.
Como acontece a divisão de trabalho entre vocês?
A gente pensa nas histórias e tenta imaginar qual desenho cai melhor nela. Na maioria das vezes, é o desenho do Bá, mas nessa última história foi o meu.
Quais os caminhos, quais os planos, pra onde vocês querem ir?
Temos vários planos. Um deles é publicar no segundo semestre o "Rolando", uma história que fizemos para o mercado americano em 1999 que agora a Via Lettera vai publicar em português, todo colorido. Além disso, temos um novo álbum de histórias nossas pra lançar, mas antes queremos que todo mundo leia essa nova revista, "Feliz Aniversário, Meu Amigo".
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