terça-feira, junho 03, 2003



Deve ser algum descuido da Matrix, mas não parece que às vezes o universo conspira e é como se tudo que a gente vê, ouve ou lê seja parte complementar e referente a um mesmo assunto?

No sábado, vi Tiros em Columbine. E no domingo, ao saber sobre o tal empresário que verificou o saldo bancário e matou a família, foi impossível não fazer associação entre os dois assuntos. Um ato absurdo e injustificável como esse, só consigo entender como detrito tóxico de uma sociedade baseada no medo, no consumo e na competitividade. Do jeitinho que Michael Moore retratou no seu documentário badalado. Para variar, aqui na terra brasilis estamos importando o pior dessa cultura. Um bom exemplo é a distinção "winners X losers", que vai cada vez mais entrando por nossos poros. E o triste é perceber que a métrica para se eleger um "winner" é ou seu sucesso financeiro, ou sua exposição na mídia, ou os dois, não necessariamente nesta ordem.

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Em mais uma conexão sem nexo, estava eu aqui ouvindo o último disco do Los Hermanos, o recém-lançado Ventura, e percebendo ali alguns remédios para essas angústias modernas. Como bem disse o Arthur Dapieve, na resenha mais bem feita que li sobre o disco, o tema central do Ventura é justamente como encontrar saídas para essa neura por performance existente em nossos dias.

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A mente divaga, e continuei pensando como é sintomático que o fenômeno das bandas de rock "fofas" tenha tido origem na Europa, e não nos EUA. Enquanto Belle&Sebastian, Travis, Coldplay e afins surgiam na Britânia, a nova geração dos EUA nunca deu descanso para a agressividade, concentrando-se nos "bad-guys" de butique, de Limp Biskit a Eminem. Mesmo no filão mais alternativo, tem-se no máximo uma postura blasé, a la Strokes ou White Stripes. E os losers, quando se revoltam, sempre extravasam uma energia recalcada, como o Weezer, por exemplo. Tentei lembrar de uma banda "gente-fina”, simpática e normalzinha, que tenha feito sucesso nos EUA recentemente, e a duras penas consegui pensar no Pearl Jam. Ou talvez no Foo Fighters. Mas ambos continuam, da mesma maneira, com sua dose de neurose ou agressividade.

Claro que existem músicos nos EUA que exibem qualidade demonstrando sensibilidade, melancolia, alegria e despojamento. Mas esta definitivamente não é a regra da maioria dos frutos daquela terra.

Divago e, portanto, me avisem se eu estiver falando bobagem.

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Antes que me interpretem mal, musicalmente não considero o Los Hermanos nem fruto nem similar daquelas bandas "fofas" britânicas. Como é sabido, o grupo começou tocando um mezzo-ska, mezzo-hardcore (um tanto agressivinhos, portanto) e amadureceram saudavelmente para um som muito mais diversificado e inspirado. Muito melhor que o Coldplay, portanto.

Uma coisa é certa. Vendo "Tiros em Columbine" fica claro que nossos irmãozinhos ianques estão precisando relaxar um pouco. Colocar as coisas em perspectiva, dizer uns "fuck offs" de quando em quando, sorrir com resignação. Tenho certeza que ouvir um pouco de Los Hermanos faria muito bem pra eles. Algo, por exemplo, como a letra de "O Vencedor". Mas iríamos precisar traduzir pra eles, é claro.

O Vencedor
(Marcelo Camelo)

Olha lá quem vem do lado oposto
e vem sem gosto de viver
Olha lá que os bravos são escravos
sãos e salvos de sofrer
Olha lá quem acha que perder
é ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
e perde a glória de chorar

Eu que já não quero mais ser um vencedor
levo a vida devagar pra não faltar amor

Olha você e diz que não
vive a esconder o coração

Não faz isso, amigo
Já se sabe que você
só procura abrigo,
mas não deixa ninguém ver
Por que será?

Eu que já não sou assim
muito de ganhar,
junto as mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
só pra viver em paz.


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