quinta-feira, março 27, 2003



Momento Supercine de Cinema



O Americano Tranquilo

Manter baixas as expectativas talvez seja o segredo da felicidade na vida. Fui assistir a "O Americano Tranquilo" com o menor dos comprometimentos. Na verdade, havia ido ao Frei Caneca Shopping Mall Cool Culture Center para ver O Pianista, mas a multidão em polvorosa já havia esgotado os ingressos. O filme que deu a indicação ao Oscar de melhor ator a Michael Caine foi, portanto, um acaso no meu domingo.

Sorte minha, pois o filme é ótimo. Havia lido algumas críticas alegando que Caine era a única coisa que o fazia valer a pena. Mentira. O filme é competentíssimo, muito bonito visualmente, com uma trama envolvente e bem contada. A atuação de Caine é mesmo excelente, mas os outros atores também dão conta do recado.

A estória é um capítulo a parte. E para quem gosta de História (agora com H) é um prato cheio. Michael Caine interpreta um jornalista inglês em cobertura à guerra da Indochina, a luta de libertação do Vietnam frente aos colonizadores franceses. Isso em 1954, e Caine já está no Vietnam há um par de anos. Entre reportagens enviadas ao London Morning e pitadas de ópio nas horas vagas, ele consegue construir uma relação amorosa duradoura com uma garota vietnamita. Eis que, a certa altura, chega ao local o tal americano tranquilo, Brandon Fraser, um médico em campanha humanitária. O médico se envolve com o casal e, rapidamente, passa a cortejar a garota do jornalista inglês.

Todo o contexto da guerra e o início do envolvimento americano no conflito são retratados de forma muito clara e interessante. Sem cabecismos, mas também sem simplificações que deixariam de lado as nuances e os objetivos nada transparentes dos envolvidos. Conforme a trama se desembaraça, pouco a pouco vai ficando claro o interessante paralelo criado entre o conflito do trio de personagens principais (o tradicional europeu, a atraente vietnamita, e o americano tranquilo mas intrometido) e os papéis dos países envolvidos na guerra propriamente dita (França, Vietnam e EUA). O mérito aqui, na verdade, não é propriamente do filme, mas sim do livro no qual ele foi baseado, obra do escritor inglês Graham Greene. Católico e humanista, Greene, que teve também seu "Fim de Caso" adaptado para a telona, demonstra uma visão ácida tanto sobre o velho colonialismo europeu como sobre o novo imperialismo americano.

Este sim é um filme corajoso em tempos de Doutrina Buxiana. Muito mais corajoso que o "Gangues de NY", de Scorscese. Porque em "O Americano Tranquilo" o paralelo está claríssimo, jogado na cara do público. O americano, inicialmente cheio de boas intenções, mais tarde não hesita em utilizar quaisquer meios para atingir seus fins. Qualquer semelhança com o tempo presente, ali não é mera coincidência, mas sim o curso da história repetindo seus padrões.

Mais surpreendente ainda é que, assim como o "Gangues", o filme também não se trata de um lance oportunista em decorrência da longo processo que resultou na Guerra do Iraque. Ele também já tinha seu lançamento previsto para o final de 2001, mas foi adiado em virtude do espírito patriótico exigido no pós-11 de setembro. Na verdade, dizem que o filme só foi mesmo lançado em 2002 por muita insistência de Michael Cane, que apostava no gabarito de sua atuação. Apostou certo, não só na sua atuação, mas em um filme competente e completamente adequado ao momento presente.

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