sexta-feira, junho 27, 2003



O Simpsons tudo bem, foi apenas uma volta às origens. Mas o Pica-pau deixar o SBT e ir para a Globo...

Definitivamente é o fim do mundo como o conhecíamos.



Eu sou sua alma gêmea
Sou sua fêmea
Seu par, sua irmã
Eu sou seu incesto


Emprestado do Chico...

quinta-feira, junho 26, 2003



Cervejinhas com jabá

Alguns papos de mesa de bar são memoráveis. Lembro que já há algum tempo, acho que mais de ano talvez, tive a oportunidade de sentar em uma dessas mesas inesquecíveis, acompanhado de uma turma porreta. Era aniversário de uma, àquela altura, recém-grande-amiga minha, e minha menina e eu havíamos chegado para abrir a mesa com ela e mais um outro nosso recém-grande-amigo.

Ambos os recém-grandes-amigos trabalhavam naquela época em uma gravadora (isso mesmo, daquelas que lançam CDs e produzem artistas da música...), coisa que, confesso, exercia um certo fascínio sobre mim. Trabalhar numa gravadora, mexer com música, o dia todo, envolvido em muito sexo, drogas e rock´n´roll. É claro que a conversa começou em torno desse assunto, e, aos poucos, fui percebendo que os problemas de trabalho de todos não se diferenciavam em nada. Até porque, naquela gravadora, parecia que o sexo era nulo, as drogas esparsas e o set-list não era bem focado em rock´n´roll.

Pouco tempo depois, chegava à mesa uma nova integrante: a chefe da aniversariante. Bem, na verdade, ex-chefe, pois ela havia sido demitida da gravadora ainda naquela semana. Aditivo-extra para o papo: nada como se libertar dos grilhões empregatícios para aumentar a disposição de abrir o coração e desabafar as mágoas. E não existe lugar melhor para destilar veneno e soltar os cachorros do que uma mesa de bar.

Juntaram-se então a fome com a vontade de comer. A ocasião encontrou o ladrão. A ex-chefe tornou-se o foco das atenções. E como ela nos contava suas experiências com propriedade, e destilava seu pouquinho de veneno com muita classe, o papo tornou-se extremamente agradável.

Na verdade, a coisa por pouco não virou uma entrevista. Como o povo sempre quer sangue, a cada estória escabrosa sobre o submundo musical que a ex-chefe contava, nós clamávamos por mais. Bem, talvez tenha sido só eu quem clamava, mas enfim... Acabamos todos conversando um pouco sobre tudo, do dia-a-dia de trabalho às estratégias de mercado da indústria fonográfica, da incompetência do diretor artístico às aventuras sexuais do novo astro de música brega recém-contratado.

O assunto que dominou mesmo a mesa, porém, foi o famoso e polêmico "jabá". Não dá para esquecer a clareza com que a ex-chefe explicou todo o esquema para nós, leigos consumidores de música. É claro que ninguém ali era ingênuo a ponto de não saber da existência do jabá, mas digamos que pudémos ficar por dentro dos detalhes mais técnicos e interessantes da operação. Não vou esquecer, por exemplo, do conceito da "zona-de-conforto", estratégia utilizada pelas rádios. Mas já explico tudinho...

O esquema funciona assim: se alguém ainda não sabe, "jabá" é o nome do acordo comercial existente entre rádios e gravadoras. A gravadora, no interesse de aumentar a divulgação de seu artista e vender mais discos, compra a veiculação de determinadas músicas nas emissoras de rádio. E compra mesmo, especificamente, por número de vezes em que quer que a música toque. Segundo a ex-chefe, por exemplo, o grande e saturado sucesso da mais descolada cantora brasileira, "Amor, I Love You", foi o maior esquema de jabá já visto no país.

As rádios, do seu lado, traçam através disso uma lucrativa estratégia comercial. Sua programação é preenchida apenas por dois tipos de música. Quando não é "jabá", ou seja, música com veiculação paga (geralmente lançamentos de artistas comercialmente promissores), as rádios só colocam músicas que estejam na "zona de conforto" do público, ou seja, grandes sucessos e flash-backs que sejam minimamente agradáveis e reconhecíveis ao ouvinte e que o segurem sintonizado até a execução do próximo jabá.

Fora horários muito alternativos, só se ouve isso nas rádios: ou música paga, ou música famosa. A conseqüência lógica é que não há espaço para coisas novas e diferentes sem que isso seja devidamente comprado. Para as rádios, é um esquema extremamente lucrativo no curto prazo, mas que levou a uma completa padronização da programação das emissoras. Um tédio completo. Ou alguém aí ainda agüenta ouvir alguma das três rádios rock de São Paulo?

Pelo lado das gravadoras, o que era inicialmente uma esperta estratégia de promoção, transformou-se num fantasma mercadológico. As gravadoras, já com as vendas afetadas pela pirataria e pela internet, se tornaram cada vez mais reféns das rádios. Ou a gravadora paga, ou a música não toca. Para piorar, certas apostas em jabás milionários já acabaram se revelando grandes barbeiragens de marketing, não se pagando financeiramente.

A sinuca de bico é séria, também para as rádios, mas principalmente para as gravadoras. E não há muito sinal de inovação ou recuperação. Tanto que, além da ex-chefe, também os outros dois recém-amigos que trabalhavam na mesma gravadora naquela ocasião já não trabalham mais lá. Não tenho nem notícia se a tal gravadora ainda existe.

Enfim. Pode vir a recessão, podem nos dar música ruim, podem arrochar os salários, pode a vida endurecer. Mas que não nos tirem as mesas de bar pra gente desabafar, fazer planos, falar besteira e cair risada.




Ainda sobre a Previdência

Antes que venham me chamar de Margaret Thatcher de calças, queria deixar claro uma coisa: não sou contra o funcionalismo público. Sou contra este nosso atual sistema de Previdência Social. É possível dissociar uma coisa da outra, ou não?

Creio sim que o Estado tem função essencial em várias necessidades da sociedade. Segurança, saúde, educação, ciência&tecnologia, cultura. Acredito que uma adequada e coerente presença do Estado é necessária para garantir o desenvolvimento desses campos de forma acessível e distribuída. Sem falar em funções exclusivas às instituições, como as judiciárias, dipliomáticas e militares.

Logicamente, para realizar tudo isso com responsabilidade e decência, é imprescindível ter funcionários públicos competentes e reconhecidos. Só acredito que esse reconhecimento deve vir através de salários competitivos e condições de trabalho dignas. E não através da promessa de uma aposentadoria gorda. Assim como em todas as profissões, deve-se reconhecer o mérito profissional no presente, e garantir para o futuro um condição de segurança mínima.

E chega desse assunto.

terça-feira, junho 24, 2003



Afff... Este post aí embaixo ficou exageradamente enorme. E, ainda por cima, falando sobre economia. Ninguém merece isso... Se tiver paciência, já aviso para respirar fundo antes de começar. O pior é que não adianta nem jurar que não vou fazer isso de novo, porque volta e meia me empolgo mesmo. Relevem...

segunda-feira, junho 23, 2003



Eu vou pra Maracangalha

A gente se cansa de ler no jornal, todo o santo dia, que a tal reforma da previdência é urgentemente necessária, que o sistema atual consegue ser, ao mesmo tempo, injusto e inviável, que as contas não fecham, que etc e tal. A gente lê, concorda, vira a página e vai cuidar da vida. A ladainha se torna tão cotidiana que aquilo adquire um tom de normalidade. E passamos a nem mesmo pensar sobre os absurdos que se colocam bem à nossa frente.

Hoje, esta notícia me despertou para esse assunto de novo. Como se me jogasse na cara algumas aberrações novamente e fizesse cair algumas fichas já velhas. São obviedades, é claro, mas tenham dó mim, sou apenas um simples e cotidiano estúpido econômico.

***

A estória velha é a seguinte: os funcionários públicos já aposentados recebem, de praxe, o mesmo salário que recebiam quando estavam ainda trabalhando. Aposentados ou ativos, ambos tem o direito ao mesmo vencimento, apenas com uma diferença: para os aposentados já não há mais o desconto da contribuição previdenciária.

Eis então a minha brilhante e aterrorizante dedução: dentro desta lógica, um funcionário público aposentado é mais caro para o Estado que um funcionário público na ativa. Conseqüentemente, quanto menos funcionários o Estado tiver, menor será sua receita de contribuição previdenciária, ou seja, maior seu prejuízo no final das contas.

Numa mecânica destas, tentar tornar o Estado mais enxuto e eficiente, ou seja, gastando menos e melhor, se torna economicamente inviável. Simplesmente isso quebra a Previdência.Quanto menos funcionários públicos ativos o Estado possuir, maior será seu rombo para pagar os já aposentados. Rombo que deverá ser pago ou com dinheiro vindo do Tesouro (palavrinha bonita, usada como eufemismo para aquela agradável quantia tungada do seu holerite todo o mês à título de imposto de renda) ou com dinheiro novinho, impresso na hora e prontinho para gerar inflação.

Nessa realidade, que lógica poderia motivar um Governo a se tornar mais eficiente?

É novas, diria uma gíria da minha adolescência...

***

Este é um país engraçado. Alguém que tenha um pouco de preocupação com a justiça social poderia afirmar, honesta e sinceramente, que não se deve abrir mão das conquistas que já foram feitas na luta por esse objetivo. E afirmaria sem hesitar que um sistema de Previdência Social é peça chave para garantir o mínimo dessa justiça, prover o mínimo de igualdade quanto aos direitos de sobrevivência dos cidadãos, corrigir alguns perigosos desequilíbrios gerados pelo mercado.

O fato real é que, infelizmente, nosso sistema de Previdência Social não é, nem nunca foi, caracterizado pela justiça social. Pode até gerar algumas esmolas em serviços ineficazes para o cidadão. Mas, no final das contas, trata-se de um sistema aristocrático e patrimonialista.

Aristocrático porque, mesmo sem sangue-azul, criou-se no Brasil uma nova casta de nobres. Porque, mesmo com todas as justificativas que possam me dar, não consigo deixar de ver como imoral que uma determinada parte da população tenha direito de receber na aposentadoria uma quantia proporcionalmente três ou quatro vezes maior que o restante da população. Porque, afinal, existe uma Previdência para o funcionalismo público e outra para o restante da população? Isso sem falar das classes especiais, vencimentos acumulativos, aditivos diversos e outras benesses.

Patrimonialista, porque tudo isso não deixa de ser uma oficial e sistemática tungada no patrimônio público. Porque simplesmente transfere riqueza de uma parte da população para outra parte. E porquê? Não há explicação, simplesmente é assim.

Tem toda razão quem disse (acho que foi o Roberto DaMatta) que o Brasil é o país das classes organizadas. Não é um país de desequilíbrios simplesmente capitalistas, onde o cruel livre mercado explora e entrega o proletariado ao Deus dará. É um país onde quem se dá bem são as classes que são organizadas para explorar o patrimônio público (geralmente quem trabalha no governo, para o governo ou com o governo). E o resto que se lixe. Ou melhor, que pague a conta.

***

E aí vemos um excelentíssimo juiz justificando as suas benesses de aposentadoria frente aos demais trabalhadores com a seguinte frase: “Eu discordo dessa comparação, com todo o respeito aos cortadores de cana. Eu, por exemplo, não sei cortar cana, mas eles não sabem julgar". Um juiz, isso mesmo, aquele sujeito que supomos ter discernimento sobre as coisas e ao qual delegamos o direito de julgar destinos. Não um juizinho qualquer, não, mas o sim o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Esquece-se o meritíssimo que um sistema de Previdência Social não é criado para reconhecer o mérito do profissional. Para isso existe o dinheiro que ele ganha todo o mês, que, no caso do Sr. Juiz, é com toda a garantia algo maior que o dinheiro recebido pelo cortador de cana. A Previdência Social deveria existir para garantir os direitos básicos do cidadão após sua retirada da população economicamente ativa. Se quiser fazer mais do que isso, a Previdência quebra, como já está acontecendo. A aposentadoria do Sr. Juiz deveria ser, no mínimo, proporcionalmente igual à do trabalhador rural frente aos rendimentos de cada um na ativa.

E ainda se fosse assim, não se estaria realizando nenhuma prática de justiça redistributiva, ou nada que se pudesse taxar de prática "socialista".

***

É claro que não existe qualquer bom senso no que o Sr. Juiz disse. A única lógica na qual o seu argumento está sustentado é a lógica da sustentação dos privilégios aristocráticos já adquiridos. Num país onde até os juízes praticam a lei do “vamos proteger o que é nosso”, não é à toa que a Lei de Gérson impera e que cada um se preocupe apenas em defender o seu pitaco, levar a maior vantagem possível em tudo.

Como então clamar por ética? Ou por uma simples coerência de idéias, lógica ou bom-senso?

Chega a ser hilário discutir ideologias ou caminhos para o país. Debater-se entre direita ou esquerda, monetaristas ou desenvolvimentistas. A única ideologia que parece ser válida no Brasil é a defesa do próprio bolso.

***

É dentro desta lógica que o funcionalismo público diz que é injustiçado, que virou bode-expiatório dos problemas nacionais. É inocência querer exigir deles qualquer coerência ou bom-senso. Estão calcados na defesa dos seus previlégios. Pois sabem que é essa a lógica que comanda o país.

Não se trata aqui de acreditar que funcionários públicos vivem como marajás em palácios nababescos. É claro que a grande maioria leva uma aposentadoria muito diferente disso. Não se trata também de dizer que eles são os maquiavélicos arquitetos culpados por este vil sistema. Como já disse antes, eles apenas tratam de se defender dentro da lógica tupiniquim.

Isso tudo, porém, não anula o fato de que seus privilégios tornam o sistema de Previdência Social injusto e inviável.

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Neste mundo capitalista, globalizado e caracterizado pela eficiência, defender um sistema desses é dar um tiro no pé. No horizonte, a Previdência quebra. E quem paga a conta, como diria Elio Gaspari, é a patuléia. A alta nobreza, da qual aquele Sr. Juiz faz parte, logicamente se salva, blindada em carros importados e protegida por senhas bancárias secretas. No andar térreo, porém, o médio e baixo funcionalismo, que hoje insiste em se defender seus parcos privilégios, vai acabar é pagando o pato. Pato aliás que já estão pagando, vide o congelamento de seus vencimentos há vários anos.

***

Um bom exemplo de que a bomba tarda mas estoura, pode ser visto agora no setor "pseudo-privado". Trata-se da fusão das duas maiores empresas aéreas do Brasil. TAM e Varig entram na nova empresa com uma participação acionária irrisória: respectivamente 30% e 5% do capital total. O restante do patrimônio da empresa pertencerá a novos investidores que colocarão ali a grana necessária para cobrir os rombos das atuais sucateadas companhias. Chega a dar pena pensar em como duas empresas desta estatura puderam atingir um fundo de poço tão profundo. Com redundância e tudo.

De que adiantou, então, para os funcionários da Varig, por exemplo, garantir até hoje os excelentes benefícios garantidos pela administração da Fundação Rubem Berta (a fundação dos próprios funcionários da empresa, que era também a controladora acionária, dona mesmo, da companhia) se essa administração levou a empresa à falência?

Os empregados da Varig, que sempre tiveram assistência odontológica gratuita para toda a família, correm agora o risco de ficar até mesmo sem aposentadoria. Isso porque a Varig deve mais de 800 milhões de reais para o Aerus, o fundo de pensão dos aeronautas.

Economia é administrar recursos escassos. E não dá pra fugir dessa regra.

***

Enquanto alguns mantém suas ilusões e outros defendem seus cofrinhos, nós vamos vivendo, pagando impostos e virando a página do jornal.







10 pãezinhos - Entrevista com Fábio Moon
(publicada anteriormente no site Scream&Yell)


Dizem por aí que ter um irmão gêmeo provoca sérias crises de identidade. Não deve ser nada fácil então para Fábio Moon e Gabriel Bá que, além de irmãos gêmeos, trabalham juntos em uma mesma atividade. "É como ser chefe de você mesmo" analisa Fábio, filosoficamente.

Para complicar, ambos escolheram uma área que, no Brasil hoje, é quase missionária: a de desenhar histórias em quadrinhos. Uma religião apaixonada, mas sem possibilidades lucrativas. Parece, no entanto, que nem as crises de identidade nem o cenário estagnado conseguem desanimar quem gosta mesmo do que faz.

A dupla já carrega essa bandeira desde 1997, quando criaram o fanzine 10 pãezinhos. Entre idas e vindas, o 10 pãezinhos já teve mais de 40 números impressos. Lançaram também dois livros pela editora Via Lettera, o premiado "O Girassol e a Lua" e "Meu Coração, Não Sei Por Que", além de outros trabalhos publicados na revista Front e no álbum "10 na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol".

Depois de algum tempo sem lançar edições do zine, Fábio e Gabriel estão de volta. A edição especial de relançamento do 10 pãezinhos , "Feliz Aniversário, Meu Amigo", conta a estória de um jovem "fantasma" que volta para reencontrar os amigos. E o local deste reencontro, retratado nos traços fiéis de Fábio Moon, é um lugar sui-generis para o público de rock de São Paulo: o bar Funhouse. "Nada mais natural do que levar os seus amigos para os lugares legais que você freqüenta" explica o autor-desenhista-personagem. Como não poderia deixar de ser, a festa de lançamento da revista aconteceu também no mesmo local.

Ambientada num lugar real e retratando os próprios autores, "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é uma estória de amizade, de reencontros e partidas. Apesar de simples, surpreende pela emoção sincera. E é um barato identificar cada lugar da Funhouse nos enquadramentos espertos do desenho de Fábio.

Não vou cair na tentação de tentar descrever o estilo do traço da dupla. Melhor seria você conhecer mais o trabalho deles e conferir com os próprios olhos. Leia a entrevista e, depois, dê um pulo no site da 10 pãezinhos ou no blog 10 loucos, onde vira-e-mexe algumas tiras são publicadas. Para comprar a revista "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é possível ir direto neste endereço.

O S&Y foi conversar com Fábio Moon para saber um pouco mais sobre quadrinhos, amigos e rock'n'roll. Confira.

S&Y: Começando pelo começo, como surgiu o "10 pãezinhos"?
Fabio Moon: Surgiu da nossa vontade, em 1997, de fazer histórias em quadrinhos sem nos importarmos com dificuldades de mercado ou grana. Decidimos então criar um fanzine e sair por aí vendendo. Esse fanzine se chamava 10 Pãezinhos. O (Gabriel) Bá que inventou o nome.

São mais de 5 anos de estrada. Como foi a batalha de lá pra cá? Já há algum momento que vocês podem dizer que foi marcante?
Marcante mesmo foi ganhar o HQ Mix de melhor fanzine e de desenhista revelação em 2000, mesmo ano em que estávamos lançando o nosso primeiro livro do 10 Pãezinhos, "O Girassol e a Lua".

Você falou em meter as caras e não se importar com mercado ou grana. Existe espaço para esse tipo de quadrinho independente no Brasil? Dá para pelo menos bancar o trabalho?
Bancar o trabalho ou bancar a impressão? A impressão dá. Você sai por aí vendendo suas revistas, seus fanzines, vai num desses pontos especializados dos fãs de quadrinhos, vende um pouco mais por lá, depois continua vendendo cada vez mais... Um dia você vende o suficiente pra pagar a gráfica, aí você continua vendendo e tem algum lucrozinho. Mas nada que dê para ganhar a vida. Você acaba fazendo o trabalho para tentar criar um público leitor de quadrinhos, mostrar as possibilidades das histórias em quadrinhos como um meio de contar todos os tipos de histórias.

Mas dá pra viver de "desenho" no Brasil? Eu quero dizer, com outros trabalhos paralelos à HQ... O que mais vocês fazem, por exemplo?
Dá para viver de desenho no Brasil. Você pode fazer ilustração, fazer storyboard para propaganda, pode tentar a vida como “designer" e ficar criando logos e outras coisas mil com um computador, mas com história em quadrinhos, trabalhando para o mercado brasileiro, não tem como ganhar a vida desenhando. Eu e o Bá, por exemplo, fazemos ilustrações para a revista infantil "RECREIO", da Editora Abril.

Então HQ ainda funciona muito mais na base do idealismo mesmo...
Acho que é mais do que isso. O ideal seria ter gente que faz quadrinhos para gente que paga pelo trabalho e publica para gente que lê quadrinhos. Existe para mim e para o Bá uma necessidade de contar histórias, de atingir um público, leitores ou não de quadrinhos.

O problema é que essa roda demora pra engrenar, né? Falando nisso, como vocês sentem o cenário de HQ no Brasil hoje? Tem muita gente se mexendo? Que publicações recentes vocês podem indicar?
Tem um pessoal de Londrina que faz a revista "Tipos", que você pode conseguir pelo e-mail scripthq@hotmail.com. Eles correram atrás de Lei do Incentivo e tudo mais, estão já no número três, fazendo o quatro. O que falta ainda na qualidade do trabalho é compensado pela energia bruta e sincera das histórias. Na internet, não dá para deixar de falar da Nona Arte, que vem publicando HQs inéditas de vários artistas, fazendo fanzine virtual (e de papel também), lançando revista, livro e o escambau. E tem a gente, né?

É claro... Você comentou a respeito do nome: ainda dá pra lembrar de onde o Bá tirou "10 pãezinhos"?
O fanzine deveria ser como as histórias que contaríamos nele: algo cotidiano, tanto para nós como para os leitores, uma necessidade básica de toda semana, de toda segunda-feira para ser mais exato. E para nós não havia nada mais cotidiano, nada mais "todo dia" do que comprar dez pãezinhos no café da manhã. Crescemos com dez pãezinhos na mesa do café.

Inspiração na padaria do seu Manoel, então...
Pois é. Até pensamos em outros nomes, mas aí o Laerte nos disse: "Tem que ser um nome em português". Achamos que o nome foi português até demais...

Em HQ quais são as influências de vocês? Começaram lendo Marvel e DC também?
Antes da Marvel e da DC, acho que vieram os quadrinhistas nacionais. Crescemos com todo o tipo de gibi. Passamos pela "Mônica", pelos gibis da Disney, passamos pela revista "Mad" até que descobrimos a revista "Chiclete com Banana". Foi uma revolução. Tinha palavrão, mulher pelada, sexo. Tinha uma cidade como a nossa (era a nossa), tinha o Angeli, o Bob Cuspe e a Mara Tara. Foi de uma criatividade ímpar nas revistas que comprávamos toda semana. Aí veio o Laerte, Deus do quadrinho nacional, com a "Piratas do Tietê". Depois de todo esse material nacional, a gente descobriu os super-heróis e pirou neles. Até hoje, eu adoro super-heróis, tem revista que eu compro todo mês, minha mãe também adora e todo mundo em casa acaba lendo. Mas depois de todo esse tempo lendo quadrinhos, quando chegou a a hora de fazer quadrinhos, a gente acabou voltando para o que nos parecia mais próximo: estórias mais pessoais sobre o cotidiano, sobre a nossa cidade, sobre duas pessoas que se apaixonam.

Sobre estas estórias como essa da edição especial de relançamento do "10 pãezinhos", a "Feliz Aniversário, Meu Amigo". Essa estória se passa num lugar real, o Funhouse (bar de rock alternativo em São Paulo). Como surgiu essa idéia?
A idéia dessa história partiu da falta que eu sentia dos amigos. Aí, eu queria meus amigos perto de mim e pensei: "e se eu pudesse trazer meus amigos para perto? Mesmo os que estão longe demais? Mesmo os que estão mortos?" Daí o resto foi natural, pois nada mais natural do que levar os seus amigos para os lugares legais que você freqüenta, e eu e o Bá freqüentamos o Funhouse.

A personagem principal dessa revista, o amigo "fantasma" que já partiu e que agora volta para reencontrar os amigos, é baseado em alguém em especial que você perderam, ou se trata de uma metáfora mais geral mesmo?
A metáfora é geral. Aliás, tudo na história é metafórico, não só o amigo "morto". Todos os amigos representam um lado da amizade. Ir ao Funhouse é metafórico. É sair para se "divertir".

Sem dúvida... Eu vi em "Feliz Aniversário" uma estória muito bonita sobre amizade e sinceridade. Para vocês ela é sobre isso também?
Para nós, ela é um presente de aniversário para todos os nossos amigos. E para todos os nossos leitores. É o nosso guarda-chuva...

Vocês citaram, e desenharam, vários amigos reais na estória, além de vocês próprios é claro. É a primeira vez que vocês fazem isso?
Não. O vilão do nosso primeiro livro, "O Girassol e a Lua", era baseado numa pessoa real. A mocinha do nosso segundo livro, "Meu Coração, Não Sei Por Que", era baseada numa pessoa real. Os personagens legais estão por aí, nem sempre precisamos inventá-los.

Existe um sentimento diferente nisso? Quero dizer, ao invés de fantasiar, usar personagens reais e ambientar a estória em lugares verdadeiros. Posso dizer que vocês fazem um "quadrinho confessional"?
Acho que isso cria uma outra textura para o trabalho. Não usamos referências necessárias para entender a história, mas é um detalhe a mais.

Principalmente nesta revista, dá pra sentir uma forte relação com a música, principalmente o rock alternativo... Esta é mesmo uma fonte de inspiração?
A música tem um impacto muito grande na maioria de nós e é um dos motivos que motiva as pessoas a irem a locais como aquele. Esse tipo de rock, às vezes barulhento, às vezes melódico, muitas vezes incompreensível e, em momentos especiais, poético, representa muito a confusão em que vivemos hoje. A idéia de situar a história num bar de rock joga com esse conceito e apresenta o desafio de transpor para a página essa energia da música.

Mudando um pouco de assunto, como é então ter um irmão gêmeo que, além de fazer a mesma coisa, trabalha junto com você?
É como ser chefe de você mesmo e ao mesmo tempo ter alguém com quem gritar. Isso com a certeza de que você não será despedido.

Como acontece a divisão de trabalho entre vocês?
A gente pensa nas histórias e tenta imaginar qual desenho cai melhor nela. Na maioria das vezes, é o desenho do Bá, mas nessa última história foi o meu.

Quais os caminhos, quais os planos, pra onde vocês querem ir?
Temos vários planos. Um deles é publicar no segundo semestre o "Rolando", uma história que fizemos para o mercado americano em 1999 que agora a Via Lettera vai publicar em português, todo colorido. Além disso, temos um novo álbum de histórias nossas pra lançar, mas antes queremos que todo mundo leia essa nova revista, "Feliz Aniversário, Meu Amigo".

quarta-feira, junho 18, 2003



Quadrinhos, amigos e rock'n'roll

Bem, o misterinho que deixei no post anterior vocês já podem desvendar lá no Scream&Yell. É a entrevista que fiz com o Fábio Moon sobre o fanzine 10 pãezinhos e o lançamento da revista "Feliz Aniversário, Meu Amigo", trabalhos dele e do seu irmão gêmeo Gabriel Bá.

Gostei muito da entrevista. E não dá para deixar de agradecer pela atenção do Fábio e pela força e paciência que a namorada dele ofereceu. Sorte que ela é uma mulherzinha amiga minha...

Se você gosta de HQ, ou mesmo se não gosta, não deixe de conferir a matéria no S&Y. E depois volte aqui para comentar, ok?

segunda-feira, junho 16, 2003



Falando em correria, entre quinta e sábado estive em Porto Alegre trabalhando. Fazia tempo que não fazia isso, digo, viajar à trabalho. Além disso, foi minha primeira ida à Poá. A viagem foi bem boa, portanto, e acho que ainda deve gerar algumas idéias pra escrever sobre. Algo sobre taxistas, por exemplo.

Ainda esta semana também, acho que posso prometer postar uma coisa bem legal por aqui. Fiz outra coisa que nunca tinha feito antes e gostei bastante do resultado. Sei que fazer esse misterinho é besta, mas agora já fiz, paciência. Até quarta eu posto...



Se Maio foi um mês de boa produtividade aqui neste bloguito, Junho parece que começou meio em marcha lenta. Na verdade, o ritmo deste blogue tem refletido bastante a minha dedicação à corporação que me sustenta monetariamente. Inversamente, é claro. Abril foi um baita mês corrido no trabalho, e o Cartas acabou tirando umas boas férias. Já em Maio a coisa ficou mais tranquila por lá, fazendo com que eu conseguisse escrever bastante. Em Junho começou de novo - estão novamente explorando minha mão-de-obra barata sem nenhuma piedade, o que me deixa sem tempo ou energia para fazer o que gosto: deitar no sofá, ver filmes, namorar, ler um pouco. Ah, e escrever no blogue de vez em quando também...

Essa alternância tem ficado bem clara para mim. Não sei quanto a vocês, mas é difícil que nas fases em que o trampo exige muito eu ainda chegue em casa com vontade de escrever. Até porque, confesso, como não?, muitas vezes uso as próprias horas de ócio do trabalho para escrever. Ou seja, sem horas de ócio, nada de escrita.

É difícil para mim ter uma dupla jornada ao mesmo tempo produtiva e prazeirosa. Ralar no trabalho, chegar em casa e escrever pra relaxar - não consigo fazer isso. Acontece também com vocês? Ou estou ficando velho, careca, barrigudo e fora de forma? Devo estar precisando de uma forcinha. Alguém já experimentou o tal do Vitassay Stress?

terça-feira, junho 10, 2003



Ele havia percebido algo durante o dia, mas preferiu não pensar a respeito. Voltou para o apartamento já à noite, entrou na cozinha e sentou-se para comer alguma coisa. Aquela idéia o assustava. Tomou um copo de leite, e a impressão de que algo estava errado lhe veio novamente. Ela estava ali, ele podia senti-la. Abriu a geladeira, a luz iluminou a cozinha por alguns segundos. Guardou o leite e fechou a porta. Por que logo agora, meu Deus?

Atravessou a sala escura e entrou no banheiro. Uma ducha quente era uma boa idéia. Fechou os olhos e, durante aqueles minutos, se livrou do medo. Ao sair do banheiro, porém, percebeu de novo. Era sorrateira. Deitou-se o mais rápido que pôde e se cobriu até o pescoço. Mas não teve dúvidas agora. Era ela, definitivamente. E aquela consciência, aquele inevitável, fazia tudo parecer pior. Ela. Sentia o gosto amargo na boca. Revirou-se na cama, suava, um calafrio veio de repente. Adormeceu. Acordou no dia seguinte com a garganta cheia de pus e uma febre de quarenta graus.


quinta-feira, junho 05, 2003



"É bom te fazer sorrir".

Ele disse e não entendeu que fora a maior declaração de amor que já tinha feito em sua vida. Ela também não entendeu.

terça-feira, junho 03, 2003



Deve ser algum descuido da Matrix, mas não parece que às vezes o universo conspira e é como se tudo que a gente vê, ouve ou lê seja parte complementar e referente a um mesmo assunto?

No sábado, vi Tiros em Columbine. E no domingo, ao saber sobre o tal empresário que verificou o saldo bancário e matou a família, foi impossível não fazer associação entre os dois assuntos. Um ato absurdo e injustificável como esse, só consigo entender como detrito tóxico de uma sociedade baseada no medo, no consumo e na competitividade. Do jeitinho que Michael Moore retratou no seu documentário badalado. Para variar, aqui na terra brasilis estamos importando o pior dessa cultura. Um bom exemplo é a distinção "winners X losers", que vai cada vez mais entrando por nossos poros. E o triste é perceber que a métrica para se eleger um "winner" é ou seu sucesso financeiro, ou sua exposição na mídia, ou os dois, não necessariamente nesta ordem.

***

Em mais uma conexão sem nexo, estava eu aqui ouvindo o último disco do Los Hermanos, o recém-lançado Ventura, e percebendo ali alguns remédios para essas angústias modernas. Como bem disse o Arthur Dapieve, na resenha mais bem feita que li sobre o disco, o tema central do Ventura é justamente como encontrar saídas para essa neura por performance existente em nossos dias.

***

A mente divaga, e continuei pensando como é sintomático que o fenômeno das bandas de rock "fofas" tenha tido origem na Europa, e não nos EUA. Enquanto Belle&Sebastian, Travis, Coldplay e afins surgiam na Britânia, a nova geração dos EUA nunca deu descanso para a agressividade, concentrando-se nos "bad-guys" de butique, de Limp Biskit a Eminem. Mesmo no filão mais alternativo, tem-se no máximo uma postura blasé, a la Strokes ou White Stripes. E os losers, quando se revoltam, sempre extravasam uma energia recalcada, como o Weezer, por exemplo. Tentei lembrar de uma banda "gente-fina”, simpática e normalzinha, que tenha feito sucesso nos EUA recentemente, e a duras penas consegui pensar no Pearl Jam. Ou talvez no Foo Fighters. Mas ambos continuam, da mesma maneira, com sua dose de neurose ou agressividade.

Claro que existem músicos nos EUA que exibem qualidade demonstrando sensibilidade, melancolia, alegria e despojamento. Mas esta definitivamente não é a regra da maioria dos frutos daquela terra.

Divago e, portanto, me avisem se eu estiver falando bobagem.

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Antes que me interpretem mal, musicalmente não considero o Los Hermanos nem fruto nem similar daquelas bandas "fofas" britânicas. Como é sabido, o grupo começou tocando um mezzo-ska, mezzo-hardcore (um tanto agressivinhos, portanto) e amadureceram saudavelmente para um som muito mais diversificado e inspirado. Muito melhor que o Coldplay, portanto.

Uma coisa é certa. Vendo "Tiros em Columbine" fica claro que nossos irmãozinhos ianques estão precisando relaxar um pouco. Colocar as coisas em perspectiva, dizer uns "fuck offs" de quando em quando, sorrir com resignação. Tenho certeza que ouvir um pouco de Los Hermanos faria muito bem pra eles. Algo, por exemplo, como a letra de "O Vencedor". Mas iríamos precisar traduzir pra eles, é claro.

O Vencedor
(Marcelo Camelo)

Olha lá quem vem do lado oposto
e vem sem gosto de viver
Olha lá que os bravos são escravos
sãos e salvos de sofrer
Olha lá quem acha que perder
é ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
e perde a glória de chorar

Eu que já não quero mais ser um vencedor
levo a vida devagar pra não faltar amor

Olha você e diz que não
vive a esconder o coração

Não faz isso, amigo
Já se sabe que você
só procura abrigo,
mas não deixa ninguém ver
Por que será?

Eu que já não sou assim
muito de ganhar,
junto as mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
só pra viver em paz.


segunda-feira, junho 02, 2003



Vem cá: por que só cineastas como K.H. Diegues e outros afiliados à máfia do Barretão obtêm subsídio para a produção de matéria orgânica? Eu também quero para mim o dinheiro tungado do seu contracheque, leitor. E sabe por que eu o mereço? Porque o blog já é minha contrapartida social. Facílimo provar: enquanto você está lendo o puragoiaba, não está assaltando, cheirando cola, fazendo os filmes do Babenco ou escrevendo os livros da Fernanda Iângui. Além disso, o puragoiaba é reciclável (duvida? É só conferir meus posts antigos), não emite monóxido de carbono e não prejudica a camada de ozônio. Agora me dá um dinheiro aí, seu Miyagi.

Depois dessa só me resta iniciar uma campanha "Fora Zé Simão, queremos Goiaba!". E tem mais coisas geniais por lá...