quinta-feira, maio 15, 2003



Pois é, como falei no sábado, estava matutando uma estorinha pra tentar ilustrar e me fazer entender minha profunda e severa problemática existencial. A estória é mais ou menos a seguinte.

***

João é casado com Maria. Lá se vão já sete anos. Conheceu Maria na faculdade e, assim meio sem querer, fez de Maria sua vida. Maria nunca foi a menina dos sonhos de João, ele nunca havia procurado alguém como Maria. Mas, quando ela apareceu, o encaixe foi tão perfeito, tão suave, que João viu que era bom. E amou Maria.

Sete anos, muitos bons e maus momentos depois, João e Maria ainda formavam um casal feliz. Bem, digamos assim, passavam por uma fase não muito estimulante, mas, vá lá, quem é que não tem suas fases ruins. Para azar de João, bem no meio dessa fase, apareceu Júlia. E Júlia era linda, Júlia era divertida, Júlia era quente, Júlia era cheia de sonhos. Ah, Júlia... Fez João se sentir como já não se sentia há muito tempo, sete anos ou mais.

De repente João percebeu que Júlia era a mulher que sempre sonhara. Que sua vida até ali podia ter sido um erro. Mas, raios, será mesmo? Ele sentia que ainda gostava de Maria, de alguma forma. Anyway, nevermind, whatever, pra que se impor uma decisão, não é mesmo? O que importa é que Júlia lhe dava prazer e esperança e então João passou a dedicar-se cada vez mais a ela.

João renegou Maria, esqueceu Maria, deixou a moça largada num canto. Passava com ela o tempo necessário, mas gostava mesmo era de estar com Júlia. Era para Júlia que comprava presentes, com Júlia que fazia planos. João chegou mesmo a pensar em largar Maria e assumir Júlia de uma vez por todas. Mas hesitou novamente.

João tinha dúvidas e tinha medo. Primeiro porque, apesar de tudo, ainda sentia que gostava de Maria, e não queria jogar pela janela aquela história. Depois, porque João havia conquistado uma vida estável com Maria. A grana pintava em casa, e João tinha seus confortos. Júlia era jovem, pobre e desempregada, João ia ter que sustentá-la, teriam que começar a vida outra vez.

A barriga empurrou qualquer decisão para frente, mas João continuava se concentrando em Júlia e deixando Maria de lado. Se divertia com Júlia, cumpria seus deveres com Maria. Criava expectativas em Júlia e renegava Maria.

Chega um dia porém, que João se sentiu estranho. Ver Maria daquele jeito, aquela mulher de quem tanto gostara. O desprezo com que a tinha tratado, aquela negligência, aquilo lhe apertava o coração. De um outro jeito, as coisas com Júlia também pareciam diferentes. Toda aquela expectativa, e a não conclusão das expectativas, foi como se a química entre os dois já estivesse falhando. Foi tudo fogo de palha, será? Não, Júlia era sonho, e não se pode deixar sonhos assim para trás. Mas João não estava feliz. Não estava.

Depois de algum tempo de dilemas, João dormiu bem uma noite e levantou de manhã mais leve, com a mente mais clara e uma resposta no bolso. João precisava de equilíbrio. Explico melhor: João não conseguia viver com aquele desequilíbrio na sua vida. Não conseguia ter prazer com Júlia, mas passar a maior parte de seu tempo desprezando Maria. Estava vivendo com Maria por obrigação, somente para passar momentos felizes com Júlia. Isso não era o bastante. Principalmente porque, além de tudo, fazia Maria infeliz. João tinha duas opções: a decisão ou o equilíbrio. Ou decidia de uma vez arriscar-se com Júlia, ou teria que equilibrar sua vida entre as duas, voltando a se dedicar e a sentir prazer também com Maria.

Como todo homem dividido entre duas mulheres, definitivamente João ainda não estava pronto para uma decisão. Pelo menos por enquanto, e quanto a isso João decidiu ser paciente e resignado. O tempo se encarregaria de dizer a hora de decidir. De certa forma João escolheu, podem chamá-lo de canalha, de acomodado ou de ambos, mas João escolheu permanecer com as duas. No fim, foi melhor para elas também. Porque João optou pelo equilíbrio. Voltou a se importar, a se dedicar e a ser feliz com Maria. E, se livrando das expectativas imediatas e da pressão excessiva, ganhou de volta a naturalidade e a alegria de estar com Júlia.

Canalhice ou não, todos ficaram felizes. Até quando, ninguém sabe, mas isso também não interessa agora.

***

Felizmente, isso não tem nada a ver com mulheres.

Só peço ao João pra repetir mais uma vez comigo, em alto e bom som: FODA-SE!, e que venha a vida.

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