quarta-feira, setembro 04, 2002



Fábula é isso, não é? Uma estória pequena, que tem uma mensagem embutida, que você ouve e não sossega até contar ela para alguém? Então é isso, é uma fábula sim. Ouvi, gostei e agora vou tentar contar...

Mini-fábula do pescador

Seu Zé vivia num casebre ribeirinho, na margem direita do Rio Juquiá. Ele, mais sua dona e seus três moleques. Acordava junto com o dia, tomava o café que a dona já tinha pronto, olhava pro céu, pegava suas coisas e saía pro rio. Voltava lá pelo meio-dia, trazia o almoço e mais alguma coisa. Comia o almoço e ia pra vila vender a mais alguma coisa. Deixava o peixe no armazém e voltava pra casa lá pelas 3. Aproveitava e vinha junto com os moleques, que costumavam sair do colégio também nessa mesma hora. Seu Zé sentava na varanda, e enquanto olhava os moleques brincarem, enrolava seu cigarrinho. Junto à beira do rio, a noite caía assim. Era isso todo santo dia. Menos de sábado, é claro, que não tinha mercado e o peixe ia estragar até na segunda; e de domingo e nos dias de festa, porque aí tinha a missa.

Um dia chegou um sujeito na casa de seu Zé. Veio de jipe e se chamava seu Antonio. Seu Antonio disse que estava participando de uma corrida, mas que não ia ter gasolina pra chegar na próxima parada. Perguntou se tinha telefone, mas como ali não tinha, acabou recebendo pousada mesmo. Seu Antonio gostava de prosa e seu Zé também não negava. No outro dia, foram os dois juntos pro rio, almoçaram juntos mais a dona e depois foram também juntos ao mercado. À tardinha, sentaram na varanda. Seu Zé acendeu seu cigarro, enquanto continuavam proseando e olhando as estrelas.

- Eita, seu Zé, como é lindo isso aqui, hein? Realmente o senhor tem a vida que pediu a Deus!
- Nunca pedi vida nenhuma pra Deus, não senhor, seu Antonio...
- Modo de falar, seu Zé... Mas sabe, uma coisa me deixou meio cismado...
- Pode falar, seu Antonio. Não se cale, não...
- Sabe, o senhor tem esse vidão aqui. Mas acho que dava pra tirar muito mais proveito disso tudo...
- Proveito como, seu Antonio?
- Ora, o senhor vai todo dia até a curva do rio e volta, não é? Podia ir mais além, aproveitar os cardumes do outro lado também...
- Mas aí fica longe, seu Antonio...
- Longe nada, seu Zé. Dá pra ir até o outro lado e voltar um pouco mais tarde. Pra que voltar logo ao meio dia? Só escurece depois das cinco mesmo...
- E pra modo de que eu ia ficar até essa hora no rio?
- Seu Zé, pra pegar mais peixe oras...
- E mais peixe pra quê?
- Pra vender, seu Zé!!
- Ah, mas aí se eu ficar no rio até a tardinha, não consigo ir até o armazém pra vender...
- Ora, é só pedir pra dona te ajudar. Veja bem, se você fizer isso, vai conseguir pescar o dobro de peixe. Então pode até mesmo ir vender lá no mercado central da outra vila...
- Viche, seu Antonio, pra que eu ia querer vender tanto peixe... Ainda mais ir até a outra vila...
- Que que é isso seu Zé! Isso aqui é um paraíso! Tem que aproveitar o que se tem na mão! Vendendo todo esse peixe, o senhor pode ir juntando um dinheirinho, pouco a pouco, até dar pra comprar um barco maior, daqueles com motor...
- Barco com motor?
- Isso mesmo. Aí o senhor podia ir ainda mais longe e aproveitar pra pescar em toda essa região...
- Eita, mas é muito peixe... E ainda tem os outro pescador também...
- Cadê a vontade, seu Zé? Com o barco o senhor vai poder entregar o peixe em outros lugares, vai poder juntar dinheiro de novo, comprar mais outro barco e chamar os pescadores pra trabalharem com você...
- Mais um barco? Chamar os outros pra trabalhar pra mim? A modo de quê?
- É assim seu Zé... Um barco, depois outro, depois mais um , e assim por diante...
- Viche maria...
- Vai chegar uma hora que o senhor vai dominar toda a pescaria aqui do Rio Juquiá...
- Ai, é mesmo??
- Pode até ser, seu Zé! E não só a pescaria... O senhor tambem pode começar a cuidar da distribuição, das vendas, pensar em expandir o negócio. Pode até criar uma marca: "Peixes do Seu Zé"... Que tal hein?
- Bonito mesmo, né? Mas, e o Tião do armazém, como fica?
- Não precisa de armazém, não, seu Zé! Caramba, realmente o senhor podia se dar bem, viu... Depois de tudo isso, o senhor podia até pensar em se juntar com alguma rede de supermercados, abrir sua própria firma, ir pra cidade grande... Que tal hein?
- Cidade, é... Abrir firma?
- Imagina, seu Zé? Escritório em São Paulo, magnata do peixe, muitos empregados, apartamento na cidade, carro do ano, tudo de bom e do melhor! Ficar rico, seu Zé!!
- Ai é? Mas vem cá seu Antonio, tudo isso aí demora um pouco, né?
- Lógico, seu Zé... Tem que ser pouco a pouco, com muita paciência e muito trabalho...
- Bom, de muito trabalho eu não tenho medo não. E paciência, também tenho bastante. Mas quanto tempo demora pra eu comprar esse tal barco aí?
- Olha, se você aumentar as vendas e poupar direitinho, acho que uns 3 anos...
- Três anos... E pra montar essa firma aí que o senhor falou?
- Ah, aí demora um pouco... Acho que mais uns 10 anos...
- E pra ficar rico mesmo, seu Antonio, com esse apartamento e carrão que o senhor falou, quanto tempo?
- Seu Zé, trabalhando duro, de manhã até a noite, investindo seu dinheiro pra expandir e fazendo tudo direitinho, aposto que em 20 anos o senhor tá por cima do dindin! Ricaço mesmo!
- Trabalhar duro e juntar dinheiro por 20 anos, é? E aí, seu Antonio, depois desses 20 anos de trabalho duro, que é que eu faço depois então?
- Ah, seu Zé, depois desses 20 anos o senhor já vai estar com a vida feita! Aí o senhor vai poder ficar tranquilo, sossegado mesmo, comprar uma casa na beira do rio e ficar só pescando, curtindo a família e admirando a natureza!

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