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segunda-feira, setembro 09, 2002
Momento Supercine de Cinema
UMA ONDA NO AR ou
Variações sobre um mesmo tema
Depois de um final de semana cinza e frio, termino a tarde de domingo dentro de um shopping center nos subúrbios da Grande São Paulo. Objetivo: pegar uma sessão de cinema, para não perder o costume e o clichê. Quase me dei por vencido ao ver a multidão de pós-adolescentes ensandecidos junto à bilheteria. Mas não desisti, a batalha ainda não estava perdida. Principalmente depois que percebi que a maior parte da multidão se debatia por um ingresso para o tal de Triple X. Eu, inofensivamente, tinha apenas a modesta pretensão de assistir ao brasileiro "Uma Onda no Ar". Foi até fácil, no final havia menos de 20 pessoas na sala.
Uma pena, pois vale muito a pena ver o filme de Helvécio Ratton (Menino Maluquinho, Amor&Cia), inspirado na estória real da mineira Rádio Favela, contando toda a epopéia do nascimento e crescimento desta rádio-pirata, da clandestinidade ao reconhecimento internacional. Além do enredo interessante e da atuação carismática do Alexandre Moreno (melhor ator no Festival de Gramado) vale a pena principalmente para, nesta época de sucesso estrondoso do Cidade de Deus (de Fernando Meirelles), colocar frente a frente estes dois retratos do submundo urbano brasileiro.
Muitos já fizeram isso, mas é mesmo inevitável a comparação. Em algumas cenas de Uma Onda no Ar, é impossível fugir da sensação de déja vu com Cidade de Deus. O retrato da morro, o foco na juventude, a escolha entre ser “bandido” ou ser “trabalhador”, a intimidade com o tráfico e com a violência. Tudo leva a uma íntima proximidade de temas. Mas, ao mesmo tempo, os dois filmes são completamente diferentes.
Peço até permissão para viajar um pouco e tentar fazer uma analogia com a cena musical do fim dos anos 60, quando todos cantavam, à sua maneira, em oposição ao regime militar. É possível dizer que “Uma onda no ar” está para Geraldo Vandré, assim como “Cidade de Deus” está para Caetano e Gil. O primeiro, caminhando e cantando e seguindo a canção, utiliza uma temática política mais explícita, mais panfletária, colocando na boca da rádio o discurso da mudança e da indignação. O segundo, mergulhado na Tropicália e na Marginália brasileiras, desenha um retrato das nossas contradições, joga na nossa cara uma realidade degradante e nos abandona à mercê de nossas conclusões. Enquanto o filme de Ratton é explanativo e idealista, podendo aí descambar para a ingenuidade e para o maniqueísmo, o filme de Meirelles é descritivo, cruel e realista, sendo, por isso mesmo, muito mais contraditório e subjetivo nas suas mensagens.
Meio confuso, né? Vou tentar ir mais longe então... Porque, se tematicamente a analogia até que funciona, se pensarmos em termos de cinema, a coisa fica mais interessante ainda. Cidade de Deus, assim como a Tropicália, se propõe um filme mundial. Antropofagicamente se serve das melhores influências narrativas, tecnológicas, fotográficas do cinema mundial contemporâneo. De onde quer que elas venham, de Hollywood à Latinoamerica, de Coppola a Tarantino. “Uma onda no ar”, assim como as nacionalistas canções de protesto, é filho direto da tradicional linhagem do cinema brasileiro. Uma boa estória, interessante e cativante, mas que ainda esbarra nos mesmos problemas de sempre: falta de ousadia narrativa, certa pobreza técnica, alguma artificialidade nos diálogos, algumas atuações constrangedoras.
Mas, assim como musicalmente é injusto comparar Geraldo Vandré a Gilberto Gil, não se pode tirar os méritos de “Uma Onda no Ar”. É um ótimo filme e merece ser visto, principalmente por oferecer um novo enfoque e talvez uma nova esperança aos corações dilacerados por Cidade de Deus. Este sim, uma obra de arte.
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