terça-feira, setembro 24, 2002



Porque a vida também é fútil e corriqueira...

O tempo passa, o tempo voa, e nem mesmo a poupança Bamerindus continua numa boa. Papo de velho saudosista, hein? Não, só a constatação de que, para desespero das beldades e deleite dos cirurgiões plásticos, o calendário não pára e as coisas mudam, ah, como mudam...

Não, não me refiro às mudanças de valores, à emancipação feminina, à nova geopolítica global, ao fim da inocência ou a alta do dólar. Está muito frio, os neurônios se recusam a refletir sobre essas coisas. Estava pensando em coisas mais corriqueiras mesmo. Televisão, por exemplo.

Há pouco tempo atrás, as séries de TV americanas eram execradas pelo público mais culto e “pensante”. Os chamados “enlatados” volta e meia eram espinafrados como sub-produtos descartáveis, tapa-buracos da programação, lixo imperialista, bugigangas baratas que roubavam o lugar da produção nacional. Eu, que cresci na garupa dos Chips, fazia lição de casa assistindo Primo Cruzado, Caras e Caretas e Super Vicky e espremia espinhas acompanhando Barrados no Baile, era resignado a me sentir um fraco e fútil consumidor de porcarias.

Em algum momento nestes últimos 15 anos a civilização ocidental penetrou por algum portal multidimensional e saímos num mundo onde as séries de televisão americanas são um fenômeno cultural, elogiadas pela crítica e sucessos de público. Já desde algum tempo é legal, é maneiro, é cool, é in, assistir, acompanhar e comentar as diversas séries da Sony, da Warner, da Fox.

Duas opções: ou as séries americanas melhoraram muito, ou as alternativas da televisão brasileira pioraram na mesma escala. Posso dizer que vi outro dia uma reprise de A Gata e o Rato (com o Bruce Willis já careca vinte anos atrás...) e aquilo já era ótimo, no nível das melhores sitcoms atuais. Fico então com a segunda opção...

Talvez seja melhor especificar e comparar, por exemplo, as séries de comédia. É mesmo impressionante como os programas humorísticos no Brasil sempre foram calcados no sexo. Cultura tropical? Sangue latino? Acho que o apelo fácil e rápido é a melhor explicação. Deixando de lado coisas como A Praça é Nossa (aí já é covardia...), alguns produtos novos e considerados como a nata da programação, como Os Normais (escritos por gente glamourizada, Fernandas Young da vida), tem 90% de suas piadas com alto teor sexual. Até a familiar Grande Família usualmente explora o tema com profundidade. Aí eu me pergunto: porque sitcoms americanas como Friends e Seinfeld conseguem falar de relacionamentos e matar de tanto rir sem apelar diretamente para piadinhas fulas? E isto não é moralismo, nada contra assuntos sexuais...Tudo contra ser monotemático.

Existe uma diferença de qualidade, sem dúvida. Teremos menos talento? Será que coisas de qualidade realmente não tem mercado ou não são rentáveis no Brasil? Como as coisas continuam mudando, quem sabe um dia não passamos mais uma vez pelo portal multidimensional. E que aí novamente valha a pena assistir às produções brasileiras e achincalhar os enlatados imperialistas...

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