sexta-feira, janeiro 17, 2003



Geração "Você S.A."

"Existe hoje um culto da atividade
cerebral reduzida: tudo tem que ser fácil
e o resultado tem que vir imediato. É uma
pena, por que as melhores coisas, os
prazeres mais sofisticados, incluindo boa
diversão, nunca vêm tão fáceis."


Thomas Wood Jr., professor de administração da GV


Meus caros colegas administradores (sim, confesso que sou formado em administração de empresas, mesmo que isso possa denegrir minha imagem junto a você, leitor deste post) sabem que esta é uma profissão cheia de, digamos assim, estranhas idiossincrasias.

Nem bem dá para chamar de profissão - de um lado pela infinidade de funções que ocupam os administradores, de outro pela infinidade de profissionais diversos que ocupam a função de administrador. O curso superior, por sua vez, pode ser descrito como genérico e diversificado, pelos que gostaram, ou disperso e esquizofrênico, pelos que não gostaram.

Nos últimos anos tem ocorrido algo muito interessante. Desde o início da década de 90, as teorias e a terminologia do "business" extrapolaram as fronteiras desta "área de conhecimento" e foram pouco a pouco contaminando o dia-a-dia de diversas outras profissões. Fenômeno causado pela famosa globalização e pela supremacia dos mercados: um mundo onde as empresas privadas são as protagonistas da economia, a competição é motriz da sociedade, e os cidadãos são, antes de tudo, consumidores. Tudo isso na teoria, é claro, mas o fato é que hoje em dia fisioterapeutas leêm "Você S.A.", advogados se preocupam com sua "remuneração variável", psicólogos assinam a "Exame", engenheiros querem desenvolver suas "competências de liderança", navegadores e técnicos de futebol dão palestras de "empreendedorismo e gerenciamento de projetos", palestras essas assistidas atenciosamente por comerciantes, jornalistas, médicos e analistas de sistemas. O mundo virou uma empresa? Parem então o mundo que eu quero descer...

Quero descer porque, voltando ao começo do post, o mundo do "business" é um mundo particularmente afetado por, como disse antes, estranhas idiossincrasias. Ciência (ou arte...) nova e, como tal, vulnerável a teorias furadas, termos vazios, filosofias de butequim, gurus milagrosos, manias passageiras, modismos e aproveitadores. Separar o joio do trigo torna-se então preponderante - mas nem sempre fácil de se fazer.

Para sair do genérico, exemplifico. Um dos maiores modismos profissionais dos últimos tempos é o tal MBA. O famoso "Master in Business Administration", o mestrado em administração dos americanos, tornou-se a coqueluche (hype, para os modernos) das empresas, primeiro lá fora e agora aqui. No entanto, extrapolando o fenômeno que descrevi anteriormente, em terras tupiniquins o MBA virou sinônimo de pós-graduação e hoje atinge as mais variadas especialidades profissionais. Neste momento, em algum lugar secreto, donos de faculdade preparam os lançamentos dos novos MBAs em decoração de interiores, massoterapia e webdesign.

A diversidade não é o problema, muito pelo contrário. O problema é que, no ambiente empresarial, esses modismos acabam exercendo o mesmo papel restritor que, por exemplo, a exigência do diploma de jornalismo podia exercer nos veículos de imprensa. Os departamentos de recursos humanos passam a ver o tal MBA como requisito básico, impondo um mesmo caminho a todo e qualquer profissional dentro da empresa. E lá vai toda a manada em busca do seu diploma, sem ao menos refletir se este seria o caminho mais adequado, proveitoso ou estimulante.

Como diria o filósofo, por favor, me incluam fora dessa.

Infelizmente o modismo dos MBAs é apenas uma faceta da geração "Você S.A.". Coloco abaixo mais um trecho da entrevista que o professor Thomas Wood Jr., da FGV de São Paulo, concedeu ano passado ao site No. Aqui ele consegue colocar na mesma cumbuca os gurus da administração, os tais MBAs e o escritor beatnik Jack Kerouac. Sensacional, vale a pena conferir na íntegra.

"Quando decidi escrever sobre o último livro do Jack Welch, "o maior empreendedor do século", fiz uma rápida busca no site da Amazon para ver o número de títulos dele ou sobre ele que estavam disponíveis. Eram dezenas! (...) No meio, apareceu o Kerouak, sozinho, com "On the road". Então, fiquei pensando no que aconteceria se um diretor de RH, querendo forçar o pessoal a se atualizar nas últimas modas de gestão, pedisse, por engano "On the road", no lugar de "Jack Definitivo", e enviasse para os principais executivos da empresa, solicitando que todos lessem.

Fiquei namorando a idéia de uma multinacional bem comportada, dessas cheias de norma ISO, padrões, valores e símbolos de status, e a turma lendo Kerouac. O que iria acontecer? Não consegui chegar a uma conclusão. Do jeito que as coisas estão, alguns iriam tentar praticar os "métodos de gestão de Kerouac". Já fizeram isso com Shakespeare, Átila e até com o Capitão Kirk. Por que não um beatnik? Mas acho francamente que muitos não iam entender nada, por que já viraram rinocerontes (...)

Mas seguimos com a comparação: Kerouac fez uma viagem, daquelas longas e profundas. Está longe de um Conrad, mas fez uma viagem e tanto. Perto dele, o outro Jack, da GE, foi na esquina. Certo, Jack Welch foi um grande executivo. Ele enfrentou uma burocracia gigante e venceu. Mas quem lê seu livro tem a impressão de que é um adolescente, não um adulto: um adolescente super-competitivo, que levou valores e comportamentos do ginásio para o mundo corporativo. Será o mundo corporativo um grande playground para adolescentes crescidos brincarem?

Tomando agora a questão dos MBAs, penso que se a noção de grande viagem de muita gente começa com um MBA, então só posso lamentar e desejar bom proveito! É como fazer aquelas fantásticas excursões européias: "um ônibus brasileiro no Velho Continente - 7 países em 5 dias". Divirta-se! E não esqueça da câmera de vídeo! "


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