quinta-feira, janeiro 16, 2003



Onde começa a impunidade

Volta e meia ouvimos os gritos de velhas vozes, extremamente preocupadas com a proteção da tradição, da família e da propriedade, alardeando que toda a sorte de benevolência e passividade em relação aos criminosos deve-se à "turma dos direitos humanos". Reclamam que essa "turma" intervém junto à Justiça somente na defesa da bandidagem. Acusam os tais "direitos" como desculpas geradoras da impunidade do país. Enchem a boca para dizer que "lugar de bandido é na cadeia!", supondo a necessidade de reforçar no senso comum alguns slogans redundantes. Como se os direitos humanos contrariassem os direitos à propriedade e à segurança.

Mas antes que eu fuja do assunto, quero na verdade dizer que, veja só, uma das maiores incoêrencias da legislação criminal brasileira não foi uma conquista da tal "turma dos direitos humanos". Um dos artifícios legais mais geradores de impunidade no país, não foi um produto da ação de supostos advogados bonzinhos e liberais, preocupados com a manutenção do direito de seus clientes.

Essa lei se chama Lei Fleury e foi criada pela dura, moral e inflexível Ditadura Militar brasileira.

A Lei Fleury (quase escrevi aqui Lei de Gerson, ato falho talvez...) funciona do seguinte modo: o criminoso, mesmo já julgado e condenado, sendo réu primário pode permanecer em liberdade até que todos os recursos sejam julgados. Ou seja, se o sujeito tiver advogados competentes e bem pagos para conseguir apelações às instâncias superiores, fica em liberdade até que o caso seja decidido definitivamente pela ágil e veloz Justiça brasileira.

Mas por que afinal os implacáveis generais foram assim tão bonzinhos? Ora, porque era necessário dar uma mãozinha ao então delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury, famoso por seus métodos de trabalho peculiares e vítima da perseguição de um grupo de promotores da chamada "turma dos direitos humanos". O delegado Fleury chegou a ser condenado por assassinato mas, beneficiado por essa lei, nunca foi à cadeia.

Hoje a tal lei ainda está por aí, devidamente esquecida, beneficiando gente como o cantor Belo e outros poderosos (de políticos a traficantes, de diretores a jogadores de clubes de futebol) que possuam meios para fazer seus processos andarem a passo de tartaruga pelos trâmites legais.

Não, eu não sabia de tudo isso. Como mero cidadão comum, meus conhecimentos jurídicos são medíocres. Fui apenas surpreendido pelo conteúdo da coluna do Ricardo Setti, no Nomínimo. Leiam ali tudo da fonte. E por favor, amigos advogados, não me condenem se eu tiver escorregado juridicamente e dito alguma bobagem. Peço apenas clemência e suas correções.


Nenhum comentário: