sexta-feira, janeiro 10, 2003



Sob juri popular...
da série, repostas longas que viram posts

As discussões políticas estavam em recesso neste blog já há algum tempo. Que tal acabar com isso então?

O blog 168horas publicou um post interessante, comentando a possibilidade do uso da tortura de terroristas para "coleta" de informações. E prevendo que, se isso fosse colocado em plebiscito, a população, mesmo sem jeito, aprovaria o ato. Confiram o post aqui.

Deixei um comentário breve, dizendo que esse é um exemplo de que nem todas as questões podem ser submetidas a referendo popular. Recebi então esta resposta de um outro visitante do blog, o Renato: "Drex, você poderia ser mais específico sobre quais questões o povo pode opinar e sobre quais as "autoridades constituidas" devem impor a sua vontade. Fiquei curioso.Renato"

Não entendi bem se o Renato concordava ou discordava da minha opinião, só sei que me empolguei na resposta e, pra variar, ela ficou longa demais. Tão longa que preferi postá-la aqui no blog...

Renato,

Quero dizer que mesmo num sistema democrático (e podes crer que sou um democrata bastante radical), nem todas as questões são adequadas ao uso da democracia direta (plebiscito). Por isso, como você deve saber, a razão do desenvolvimento da democracia representativa.

A democracia implica em escolha, mas não em escolher ao léu, em uma escolha esclarecida, informada e consciente. Por essa razão, democracia mesmo só existe quando o povo tem educação sólida e informação livre para tomar sua decisão.

Alguns assuntos porém, não permitem isso. Pela complexidade técnica, por envolver interesses muito diversos, por ser sujeito a dúvidas conceituais, por ser assunto muito específico. Não dá pra colocar sob referendo popular assuntos que exijam uma profunda investigação ou discussão anterior. Por exemplo, será que colocar a decisão sobre a polêmica transposição do Rio São Francisco para combater a seca nordestina em plebiscito popular é uma boa saída?

Uma historinha que lembrei agora para ilustrar o assunto: alguns vários anos atrás (nem me lembro quando... era 1989?) houve o tal plebiscito para nosso sistema de governo: Presidencialismo ou Parlamentarismo. Quase já às vésperas da votação, estava conversando com a Antônia, a empregada doméstica lá de casa naquela altura, e perguntei a ela qual seria o seu voto. "Presidencialismo". Por quê? "Ora, porque no Parlamentarismo a gente não vai mais ter direito de votar pra presidente".

Concorde-se ou não com a opção da Antônia, a questão é um pouco mais complexa que isso. E você acha que o povo foi ali minimamente informado do que era esse tal Parlamentarismo ou quais seriam suas implicações?

Na questão específica da "tortura ao terrorismo'", caímos no mesmo caso. Os já combalidos direitos do indíviduo (ou direitos humanos, como queira), que demoraram séculos para serem conquistados, não podem ser postos a mercê de uma situação limite, onde `os fins justificariam os meios`.

O mesmo acontece com a opção pela pena de morte. Acredito que são questões muito suscetíveis a explorações emocionais para serem colocadas sob um referendo popular. Muito e facilmente manipuláveis por um discurso populista e simplificador.

Achar que o uso generalizado do plebiscito popular fortalece a democracia ou o poder do povo é uma ilusão. E, por favor, não veja isso como uma posição elitista ou aristocrática. Acredito muito que a participação popular mais direta e mesmo o uso dos plebiscitos ainda podem ser muito melhor explorados (a exemplo dos orçamentos participativos), mas com cuidado de distinção. Ou então caímos na ditadura das massas, que não tem nada a ver com democracia.

Abraço,

Drex


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