terça-feira, agosto 12, 2003





Bicho de Sete Cabeças

Só fui assistir ao Bicho de Sete Cabeças no último domingo, quando passou na TV a cabo. Realmente, estava perdendo tempo, o filme é um dos melhores nacionais dos últimos anos.

Não achei o filme tão pesado quanto falam por aí. Claro, é uma estória de internação em hospício, pesada por natureza, mas não vi exagero ou exploração gratuita nas cenas. O filme é realista e forte na medida certa. Mas nem por isso deixa de ser um petardo.

Como disse o Luiz Carlos Merten, no Estadão, muito mais do que o sistema manicomial, o alvo principal do filme é a família. Na falta de abertura e comunicação, a estupidez, a chantagem e a força são as ferramentas utilizadas para manter-se o padrão estabelecido da família normal, estruturada e “feliz”.

Outra coisa interessante é que, apesar de claramente narrar o drama de uma vítima, o filme foge do maniqueísmo. A “culpa” pela criminosa internação de Neto não recai só sobre a estupidez conservadora do pai repressor. A irmã, mesmo letrada, esclarecida e “zen”, é conivente e até estimuladora do ato. E a mãe, mesmo angustiada num sofrimento passivo, é, no mínimo, cúmplice omisso da situação. Tudo bem, há pelo menos um vilão absoluto na estória: o sistema. Mas, afinal, precisa-se de um vilão, e realmente não há muitas coisas boas pra se falar desse tal sistema.

Como também já muito comentado, a atuação do Rodrigo Santoro é mesmo ótima. Mas quem arrebenta (e se destaca definitivamente como um dos meus atores preferidos) é o Othon Bastos. Depois de tornar inesquecível seu caminhoneiro solitário em “Central do Brasil”, agora ele está novamente sensacional como o pai cheio de boas intenções, mas idiota até a medula. Ainda assim, é impossível não dar destaque ao Santoro. Ainda acho ele meio “preso” na interpretação, mas, sem dúvida, o sujeito vem construindo uma carreira consistente. Afinal, não é para qualquer um levar chifre da Luana Piovanni em cadeia nacional e ainda sair dessa com a cabeça levantada.

Tem que se dizer ainda que, apesar de forte, o filme consegue ter cenas muito bonitas e sensíveis. E que a música do André Abujamra e as canções do Arnaldo Antunes se encaixam como uma luva e tem grande impacto na narrativa. Enfim, o filme é ótimo. E ainda dizem que a Laís Bodansky, diretora, filmou quase sem dinheiro. Somento durante a pós-produção encontrou o apoio da Benneton, da Itália, que se interessou pela temática polêmica. Aqui no Brasil, a cineasta teve enormes dificuldades para encontrar empresas que financiassem o filme com seus incentivos fiscais. Só posso utilizar um comentário feito novamente pelo Luiz Carlos Merten – coisas de um país que coloca a escolha de onde investir-se o dinheiro público nas mãos de diretores de marketing.

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