segunda-feira, agosto 04, 2003






Depois de fechar a última das quatrocentas páginas, a palavra que me veio à cabeça foi só uma: ufa!. Cidade de Deus, o livro, é extenso, muito extenso. E eu, que não me gabo em nada da velocidade das minhas leituras, demorei muito para terminá-lo. Entre idas e vindas, com um outro livro intrometido no meio, foram quase três meses. Mas, ao final da empreitada, além da satisfação de chegar ao fim, ficou também a satisfação de ter lido algo bom. Gostei do livro, valeu a pena.

O que fica, tanto no filme quanto no livro, é o mesmo - um retrato da evolução do tráfico e da violência na favela. Sem julgamentos ou respostas fáceis, apenas um retrato. Se o filme opta por transmitir esse retrato através da intensidade do impacto, o livro escolhe um caminho mais extensivo. Possui mais algumas dezenas de personagens, torna ainda mais complexos e emaranhados os longos 20 anos de saga criminosa. Além disso, a narrativa é caudalosa, com longas descrições e cheia de detalhes. Isso tudo, lá pelo meio do livro, chega a tornar-se repetitivo. Talvez a intenção fosse mostrar como a violência se banaliza, mas o fato é que a enxurrada de trairagens, mancumunações, roubos e mortes, acaba uma hora se tornando cansativa. Mas aí (se houver um pouco de persistência, é claro...) o carisma de alguns personagens te atrai novamente, a trama embala, e você é salvo de desistir no meio do caminho.

Outra coisa que estranhei bastante no início foi o estilo do Paulo Lins. Os diálogos, felizmente, são bem espertos e cheios de gírias características da época. Mas na narrativa e, principalmente, nas descrições, ele utiliza uma linguagem que, além de nada coloquial, é quase barroca. As descrições são tão caprichadas que às vezes os matões de Jacarépaguá parecem bosques bucólicos da Idade Média. A narrativa também usa e abusa de metáforas e imagens viajandonas. No começo isso me soou bastante deslocado, afinal a estória ali era de violência, pobreza, sarjeta e mundo cão. No decorrer da estória, porém, fui me acostumando, e acho até que tudo isso acaba se tornando um ponto positivo do livro. Tantos detalhes, tanto esmero na criação do ambiente, acabam aumentando a sensação e o impacto da realidade.

Quanto à violência (e esbarrando naquelas polêmicas criadas quanto a estética, cosmética, retrato ou exploração da pobreza, no filme ou no livro) não sou besta para tentar decifrar aqui qualquer mensagem, diagnóstico ou proposta que o livro teria para oferecer. Acho também que é besta quem procura ali resposta. Ali está a radiografia; a resposta, e as soluções (se existem soluções) têm que vir depois. E, para quem está acostumado a ver uma radiografia sempre tirada pelo "Cidade Alerta", está ali uma perspectiva bastante diferente.

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