terça-feira, outubro 01, 2002



Momento Supercine de Cinema

O ARTICULADOR

Algumas coisas na vida são assim. Você sabe que deveria gostar delas mas, de verdade mesmo, lá bem no fundo, sabe que alguma coisa não deu certo, faltou algo, não houve o “click”. Saí da sessão de “O Articulador” (People I Know, de Dan Algrant) com esse sentimento. Trama interessante, temas controvertidos e bem desenvolvidos, algum suspense, atuação já usualmente soberba do Al Pacino. O que faltou afinal?

Mas vamos com calma. Antes de procurar a resposta, vamos ao filme. O tal “articulador” do título não se trata de um hábil negociador envolvido numa trama internacional. Ao contrário do que nossos títulos traduzidos podem sugerir, este não é thriller de ação. Al Pacino representa o personagem-título, Eli Wurman, um decadente assessor de imprensa de Nova York. Um título como “O Relações Públicas” seria mais adequado, mas talvez menos atraente.

O ponto é que, Eli Wurman, que no passado se envolvia com causas nobres e assessorava gente influente, hoje apenas inspira piedade daqueles que o cercam: Victoria Gray (Kim Bassinger, sempre luminosa), amiga e viúva de seu irmão, e Cary Launer (Ryan O´Neal), uma celebridade de Hollywood, seu velho e fiel cliente.

Dividido entre dedicar-se às suas causas idealistas, agradar gente famosa e manipular jornalistas, o angustiado Eli envolve-se numa delicada trama de interesses ao tentar ajudar aquele mesmo velho cliente. A partir daí, “O Articulador”, transita, de maneira um tanto indecisa (e talvez este seja o seu principal problema) entre a resolução desta trama e a discussão de alguns temas, no mínimo, interessantes.

É possível preservar e realizar os ideais, valores e sonhos da juventude? É possível obter sucesso e ao mesmo tempo manter-se eticamente limpo dentro de um meio marcado pela manipulação e pelo jogo de interesses? Quais são as chances de chegar ao fim da vida, olhar pra trás e perceber que realizamos algo que realmente importa? Ou que simplesmente queríamos? O “Articulador” lança estes dados e ensaia uma discussão interessante sobre estas e outras questões, digamos, um tanto desconfortáveis. Sendo que a figura angustiada e decadente de Al Pacino não nos dá muitas esperanças de obter respostas positivas.

O discurso do filme, que esboça críticas à cultura competitiva americana, ao conservadorismo do poder público, à falsidade de uma sociedade hipocritamente puritana, chega a ser interessante por oferecer um contraponto aos nossos atuais tempos de unanimidade “Bushiana”. Mas, mesmo nisso, o filme não decola, mantendo-se dividido entre desenvolver sua trama de suspense ou explorar mais profundamente esses temas Talvez um certo receio em tocar na ferida à fundo ou medo de tornar-se um filme muito “cabeça”. No fim, é isso que falta ao filme: decisão. Como, Eli Wurman, “O Articulador” é cheio de qualidades, mas padece ao ficar dividido entre suas idéias e suas necessidades de mercado.

Se você está interessado em assistir uma discussão interessante sobre idealismo e angústias existenciais, magistralmente interpretadas pelo grande Al Pacino, vá ver “O Articulador” agora. Mas vá sem expectativas de ver um grande filme. Não há idéias geniais, faíscas de criatividade, nem mesmo uma trama envolvente. Somente algumas velhas verdades que podem ser, sem dúvida, tão úteis quanto amargas.


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