terça-feira, outubro 29, 2002



subject: Carta de Maracangalha XII
date: 28.10.2002


Oi Ká!

Tudo bem contigo?

Estava com a idéia de que esta seria a carta de número 13. Mas não, é apenas a 12. É, você acertou, eu queria fazer um trocadilho e não deu certo. Porque o 13 é mesmo o número da vez...

Você precisava estar aqui ontem; a festa foi emocionante. É cair no lugar comum, mas foi tudo inesquecível. Ainda mais após três semanas de segundo turno gerando um sentimento contraditório, uma mistura de ansiedade e receio. Havia uma tensão no ar, uma espera nervosa pelo que já deveria estar certo.

Mas como o difícil é mais gostoso, talvez tenha sido melhor assim. Ontem soltou-se o grito da garganta e a comemoração lembrou Copa do Mundo: o povo na rua, a manifestação de alegria, a emoção no rosto das pessoas. Mas foi ainda mais bonito que qualquer conquista de campeonato mundial. A felicidade ali não era da vitória já consagrada, mas da esperança pelo futuro.

Essa esperança pode ser piegas, boba até, mas me deu um nó na garganta. Olhos realísticos e objetivos podem achar tudo isso sem sentido e sem valor. Mas ver na TV hoje o depoimento das mais diferentes pessoas, enchendo o peito de confiança, identificação e orgulho com o Lula, foi, com o perdão da palavra, muito foda. Se todo esse símbolo, essa energia, essa força não tiver valor, não sei de mais nada. Depois de muito tempo de ceticismo, ontem eu vi fé nos olhos das pessoas. Vontade de mudar e de fazer desse país um lugar decente.

Confesso que tudo isso mexeu comigo. E olha que, como você sabe, não sou um petista categórico, muito menos militante, nem mesmo sou um eleitor fiel do Lula. Lembra de como, nesta nossa querida casa de família unida e imigrante, de vovôs malufistas e papais pragmáticos, não é fácil assumir-se um idealista. Tive de começar aqui pela comarca, com o saudoso Celso Daniel, oPTando aos poucos, passando por deputados e senadores, escolhendo Bicudos, Suplicys e Genoínos, mas sempre colocando estes no meio de outros tucanos. Você sabe também que tenho um lado crítico, chato e racional, que odeio adesismos automáticos. Talvez por isso, somado quem sabe a um preconceito subconsciente, nunca havia votado no Lula antes. Foi preciso me decepcionar com a estagnação política do tucanato para que, no começo deste ano, eu "saísse do armário" de uma vez.

Posso dizer que matei a Regina Duarte de dentro de mim e Lulei gostoso. E a primeira vez, como todas da vida, foi emocionante e inesquecível.

Agora a hora é de cobrar consistência, exigir coerência, apoiar e reclamar quando adequado e necessário. Acredito que o tal "pacto social" e o "amplo debate", tão declamados pelo barbudinho, são muito importantes. Por outro lado, tenho receio que esse discurso comece a ter cheiro de "Centrão", aquela velha coalizão da Constituinte de 88, onde sempre cabia mais um. É perigoso passar a colocar para dentro da mesma panela todo e qualquer ingrediente. Existem interesses divergentes sim, e às vezes escolhas terão de ser feitas. Que sejam as escolhas certas.

Aí nos States parece que a repercussão foi melhor que o esperado, não? Vi ontem na CNN a Av. Paulista coberta de bandeiras vermelhas, foices e martelos, mas a apresentadora gringa não parecia ter um tom alarmista. O discurso era até bem positivo. Que sentiste? O Tio Bush ligou pro barbudinho hoje e dizem que tiveram uma prosa amistosa e "esfuziante". Nice people, hein?

Bem, chega de lero-lero. Análises e divagações não faltam por aí... O que importa agora é que a expectativa virou realidade e que a pedreira que se tem pela frente é dura, muito dura.

Como diriam os doutos, alea jacta est...

Tudo de bom e inté mais ver..

Beijo,

Drex

Nenhum comentário: