domingo, outubro 20, 2002



subject: Carta de Maracangalha XI
date: 20.10.2002


Oi Ká!

Tudo bem com vocês? Tudo calmo aí com os gringos?

Me parece que o humor do Tio Bush tem andado mais calmo, não? Bem, talvez seja só a imprensa brasileira que não esteja mais falando tanto nele... É engraçado como a intensidade do noticiário internacional aqui no Brasil depende muito da falta de assunto interno. Quando falta assunto tupiniquim, eles mandam bala nas notícias sobre o apocalipe now iraquiano. Mas, como agora o tema do momento são as eleições, parece que nada mais está acontecendo no além-mar.

Nossa, falando em eleições percebi como esta carta demorou pra sair, né? Acho que te escrevi a última já faz quase um mês, lá pro final de Setembro. Bem, tudo acabou saindo mais ou menos como tínhamos conversado naquela carta. Algumas surpresas, mas nada de espetacular. Para presidente, tudo aconteceu conforme o esperado. Seria mesmo muito difícil o Lula vencer no primeiro turno. Entretanto, depois destas duas semanas de campanha do segundo round, já é possível sentir como foi mesmo uma pena a coisa não ter acabado já logo no 6 de outubro.

É claro, foi muito legal ver escolhidos os dois candidatos com as propostas mais consistentes e pertencentes aos talvez dois únicos partidos sérios da terra brasilis, o PT e o PSDB. Isso foi sem dúvida um avanço. Só que, ao mesmo tempo, esse resultado colocou esses dois partidos frente-a-frente, em uma briga de foice que não tem sido nada limpa.

Seria ótimo, e era até de certa forma lógico, que um governo do PT constituísse uma aliança progessista com os tucanos e pudesse finalmente dar alguma seriedade ao país. Enfim poderíamos deixar de fora o ranço da política antiquada, paternalista e corrupta de coisas como PFL, PMDB, PPB, PDT e etc. Pouco importando a idelologia, da esquera até a direita, seria uma opção pelo novo frente ao velho.

Essa briga suja do 2º turno talvez faça essa aliança impossível. Como já disseram por aí, criou-se uma "polarização artificial" entre os dois partidos. O PSDB está assumindo algumas posturas reacionárias e conservadoras que não têm nada a ver com o partido. O progama eleitoral do Serra desta semana me deu dor de estômago. E isso não é figura de linguagem. Os tucanos, jogando as últimas e deseperadas cartas, adotaram um discurso de exploração do medo, um terrorismo psicológico dos mais baratos. Colocaram a Regina Duarte para fazer uma declaração digna de reunião da Liga das Senhoras Católicas. Só falta agora pedir para que as famílias brasileiras acendam uma vela na janela contra o comunismo, como nos idos de 1964, quando a nossa temerosa classe média foi manipulada para apoiar o golpe militar. Quem diria que o digno partido da social-democracia brasileira se transformaria na TFP do século XXI. Isso tudo é falso, desesperado e eleitoreiro. É mesmo uma pena...

Bem, mas o que importa é que as eleições são daqui a uma semana. E, esbarrando no clichê brega, estamos mesmo nos aproximando de um momento histórico. Pela primeira vez na história brasileira o poder público muda realmente de mãos. Pela primeira vez, um partido de esquerda chega a Presidência do país. Um partido consistente e democrático, a ser eleito pelas vias institucionais. Apoiado por mais de 50 milhões de brasileiros que não viram no PT mais medo do que os franceses poderiam ver em Lionel Jospin ou os alemães em Gerard Schroeder.

Se os anos que virão serão de progresso ou estagnação, ninguém pode saber e não depende só disso. Como sabiamente disse o Macaco Simão, "um governo Lula a gente não sabe como vai ser, mas um governo Serra a gente já sabe que vai ser uma bosta"... Realmente importante é que essa rotação no poder público transmite um sinal claríssimo para as elites brasileiras. Um sinal de que não é mais possível sustentar esse modelo de exclusão social que existe hoje no país. Não é mais possível manter-se esse abismo desumano, essa imensa diferença de condições de vida entre as pessoas, e ao mesmo tempo conseguir manter o poder devido à alienação política da população. O povo, mesmo sem educação, hoje vê que é preciso mudar algo.

Talvez este seja o principal resultado destas eleições. Agora tornou-se impossível fechar os olhos a este sinal. E abrir os olhos será, sem dúvida, melhor para todos

Agora, que cada um faça a sua parte.

Beijo,

Drex

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