quinta-feira, dezembro 18, 2003



Neste Natal, presenteie com produto nacional




"Dois a Rodar" - Ludov

Pena que o CD tem só 6 músicas. Se o álbum fosse completo, e tivesse 12 músicas, o Ludov teria lançado o melhor disco nacional do ano passado. E olha que eu sou fã dos Loser Manos e adorei o último disco do Skank. Em compensação, "Dois a Rodar" tem preço pela metade e vale cada centavo investido.

O Ludov é a continuação do Maybees, a banda alternativa paulistana mais badalada na última virada de século. Agora eles cantam em português, sem vergonha nenhuma das ótimas letras, e ainda continuam com o vocal feminino sensacional da Vanessa Krongold sobre as melodias lindas e a base rock de primeira.

Confesso que tenho uma ligação sentimental com a banda. Até prometo que ainda vou escrever um texto maior sobre ela. Mas a dica de compra é sincera e garantida, pode acreditar.




"Nada pode parar os..." - Autoramas

Punk-surf-rock-super-power-trio, com guitarra, bateria, e, pausa para os suspiros, a baixista mais sexy e insana que já existiu. Vi um show dos Autoramas este ano e me apaixonei. Pela banda, ok Má?

Só uma advertência: depois de ouvir este CD leva-se cinco dias para tirar as músicas (e a baixista...) da cabeça. Som energético, simples e divertidíssimo. Delícia (as músicas...).


Eu li e recomendo. Leia também.

"O Cabotino"- Paulo Polzonoff Jr.

Paulo Polzonoff, o temido, nunca esteve tão divertido. Se você chegou um dia a pensar em escrever seriamente, o menino te joga toda a tua mediocridade na cara e ainda te faz morrer de rir disso.

Auto-consciência nunca é demais, afinal. E, se for pra fazer, que se faça direito. Com leveza e ironia dissimulada, "O cabotino" detona a tua inocência literária. Você nunca mais vai ler Patricia Mello incólume novamente.


Eu li e recomendo. Leia também.

"Vida Nova" - Cláudio Lampert

É até covardia falar de um livro que eu já tinha lido quase pela metade antes mesmo de comprá-lo. Mas valeu a pena ter as crônicas do Chefe do Epinion reunidas na estante e poder relê-las quando bem entender.

O Lampert tem tudo que você poderia querer num cronista e tem achado tão difícil de encontrar nos nossos contemporâneos períodicos - sensibilidade, visão aguçada, lirismo bem dosado, acidez sempre que necessário. Erudição ne medida certa, conteúdo e espiríto crítico.

Agora eu faço isso - quando abro o Caderno 2 do Estadão e chego na página do Jabor, do Ubaldo ou do Mário Prata, apenas mantenho a calma, fecho o jornal, e vou pegar o Vida Nova pra reler. Um homem deve poder escolher, ora bolas.

***

Já estava enfurrajado nas minhas resenhas. Agora me sinto melhor. Ah, mas é sério: comprem, comprem, comprem!

segunda-feira, dezembro 15, 2003



Milk-shake

A Ponte Preta escapava da segunda divisão, eles pegavam o Saddam e a gente tomando milk-shake, sentados no balcão da lanchonete.

Alguns barbudos desciam a Rua Augusta ali fora, mas a gente não sabia para onde ir. Um olhando o outro, calados, com o estômago cheio de coisas que não queriam ser ditas. Talvez alguns minutos servissem para a gente relembrar como se tinha chegado até ali, e então, quem sabe, fazer o caminho de volta. Para entender quais foram as pedras.

Limpava o balcão sujo com um guardanapo de papel. No copo de água tônica, que tinha vindo antes para acabar com a sede, só restava o limão. A boca seca ficara também amarga. Os olhos, por outro lado, teimavam em se congestionar. O que tornava necessário engolir, por mais difícil que isso fosse.

Mas os minutos passaram e o milk-shake chegou, no colo da cavalaria. O creme, o chocolate, o sol e a Rua Augusta fizeram tudo ficar piegas. E doce. Pouco a pouco, claro e doce. E veio o beijo da reconciliação. Nada repentino, conseqüente. A única saída possível, porque a única desejada.

A televisão não pára. Mas só consigo pensar em como beijo de reconciliação é bom. E imagino o resto. Acompanhado de milk-shake.

sábado, dezembro 13, 2003



Jogo Aberto

Dizem por aí que estes nossos tempos pós-modernos são marcados pelo subjetivismo. Jogos de palavras, manipulação dos símbolos, o poder dos discursos, a supervalorização do meio sobre a mensagem, da "atitude" sobre o conteúdo. Aquela estória de "imagem é tudo, sede é nada" que a propaganda, veículo máximo desta era, conseguiu subverter, inverter, e usar a seu favor.

Mas, convenhamos, a parte de tudo isso, chega uma hora em que os fatos falam por si. Concretos, claros e irrefutáveis. Afinal, o tempo é o senhor da razão. Bem, às vezes, pelo menos.

Em época de reconstrução do Iraque, os Estados Unidos da América proibiram a participação das empresas dos países não-beligerantes no processo. Somente empresas dos países que enviaram tropas ao país poderão participar das atrativas licitações para a execução das futuras obras. França, Alemanha e Canadá, os países ricos que não apoiaram a guerra, já começaram a choradeira. Dentre os pobres, o Brasil também está lamentando a perda da boquinha.

A decisão dos EUA é extremamente coerente. Talvez a mais coerente já tomada em todo o periodo pós-tomada de Bagdá. E de uma sinceridade tocante, até.

Admite-se, finalmente, todo o realismo definidor da postura norte-americana. Ora, estamos aqui para competir, my friends - amigos, amigos, negócios à parte. E nada mais justo que as riquezas da nação ocupada fiquem nas mãos da nação conquistadora. É a lei do mais forte, a norma vigente nas relações internacionais destes dias. Viemos, vimos e vencemos. Bem, não vencemos tanto ainda, mas já dá para lucrar um pouquinho.

(...)

Texto completo lá no Imprensa Marrom!

segunda-feira, dezembro 08, 2003



Vote em Pensar Enlouquece no iBest 2004!


São só mais três dias até o final da 1a fase, e votar no Inagaki é questão de cidadania blogueira.

Simbora lá pra urna!

domingo, dezembro 07, 2003



História, procura-se

(...)
Os caros historiadores que não fiquem bravos comigo. Não duvido da importância desse trabalho documental, de maneira nenhuma. Mas às vezes, ao ler as análises de determinada época ou acontecimento, tenho a imprensão de que ainda haviam coisas ali, coisas importantes e definidoras, que escaparam ao árduo registro histórico.
(...)

Texto completo lá no Imprensa Marrom!

quinta-feira, dezembro 04, 2003



Mariana

Mês passado, para comemorar minha travessia de mais uma primavera, fomos a um restaurante japonês no meio do sacolão da Vila Madalena. Lugar simpático, com boa comida e nem tão caro assim. Chamei alguns amigos queridos, os amigos chamaram seus agregados, e estávamos lá, eu, minha menina, amigos e agregados, todos comendo sushi e bebendo cerveja. Ou quase todos, claro, pois sempre há os abstêmios de peixe-cru e os apreciadores de Coca light.

Já passava da meia-noite e eu me divertia, surpreendentemente encantado pela capacidade daquelas pequenas doses etílicas terem me deixado tão leve e bem-humorado. Os amigos, por outro lado, já deviam estar analisando a perspectiva d'eu terminar a noite completamente bêbado. Foi nesse estado etílico perigosamente limítrofe que, para meu espanto, inventei de me enrabichar com outra menina.

O nome dela era Mariana e, alguns minutos atrás, ela havia nos oferecido flores. Sua abordagem foi certeira, não pude resistir. Mariana tinha olhos negros e redondos, tinha a pele branca, muito branca mesmo, e tinha os cabelos também negros, encaracolados. Escolhi uma rosa vermelha, de plástico, e a comprei. Mas Mariana não foi embora, ficou por ali, vagando pelas mesas, abordando outras pessoas. Aguentei um pouco, mas logo deixei minha menina aos cuidados dos amigos, abandonei a rosa sobre a mesa e fui, meio atrapalhadamente, conversar com Mariana.

Ela me contou que morava no centro da cidade, mas que, naquela noite, ia trabalhar até tarde. Tinha que vender todas as rosas antes de voltar pra casa. Era a missão que sua mãe lhe dera. Perguntei então se ela ia à escola, mas confesso com vergonha que não me lembro da sua resposta. Acabei comprando mais uma rosa de plástico.

Conforme ficava mais à vontade, Mariana também começou a fazer suas perguntas. Me questionou porque todas as pessoas da minha mesa tinham olhos azuis. Eu disse que não eram todas, imagina, só algumas delas. Foi quando Mariana me disse que não gostava da cor dos seus próprios olhos, porque, ao contrário daquele azul tão bonito, seus olhos eram pretos.

Tadinha da Mariana, a partir daí ela teve que aguentar outro tanto do meu papo furado. Disse a ela que seus olhos eram olhos de jabuticaba. Ela ficou curiosa, a espertinha, e quis saber o porquê. Contei então sobre uma tal Capitu, personagem de um livro importante, no qual também havia um tal Bentinho, um moço completamente apaixonado por ela e por seus olhos negros e redondos. Preferi não comentar nada sobre a cigana dissumulada e sobre o filho bastardo pois, mesmo algo bêbado, acertadamente achei que não valia a pena entrar em certos detalhes.

Quem me olhasse ali, um sujeito semi-calvo conversando com uma menina de 8 anos de idade, não hesitaria em me julgar um patético pedófilo jogando malemolência pra cima de uma pobre criança carente. Bastava ter um pouco de malícia no coração e precipitação no julgamento. Posso garantir, no entanto, que não era nada disso.

Minha menina, a que é oficial e já é maior de idade, disse certa vez que eu vou adorar ter uma filha. Nunca havia pensado que, numa potencial paternidade, eu poderia ter alguma preferência de sexo. Sempre acreditei que isso era besteira, que viesse o que viesse. Hoje sei que ela tem razão. Eu adoraria ter uma filha. E ali, com a ajuda de algumas cervejas, Mariana escavou alguns sentimentos recalcados num boboca que tinha acabado de completar 28 anos. Despertou a vontade solidária e demagógica de oferecer meio dedo de prosa e atenção a uma criança que trabalha na rua. Alguns chamariam isso de culpa, pode ser, não me incomodo. Mas, muito além disso, o que eu via em Mariana era a própria possibilidade de ser pai um dia, de cuidar de uma menina linda como ela, de o quanto isso podia ser extremamente legal.

Sei que foi uma troca cruelmente injusta, desigual e exploratória. Mas, naquela noite, Mariana me fez feliz.

segunda-feira, dezembro 01, 2003



Que fim levou a novidade?

(...)
Sei que o mundo não pára. Mas duvido que ele ande tão depressa assim. A partir de hoje estou de greve. Só leio as notícias novas depois de estar devidamente satisfeito com a conclusão das notícias velhas. Posso até ficar meio por fora. Mas vai ser mais salutar, tenho certeza.
(...)

A novidade veio dar à praia... E, quem diria, estou falando bem da Veja lá no Imprensa Marrom. Aproveite que é só por hoje, corra lá pra ler tudinho...

segunda-feira, novembro 24, 2003




"Mr. Blaine, you're becoming your best client"


Devo ter visto Casablanca em alguma sessão do Supercine, num sábado longínquo perdido na minha pré-adolescência. Ou talvez não tenha sido nada disso, e eu esteja apenas me confundindo com aquela vinheta de abertura inspirada em "As Time Goes By". Ou, quem sabe, tenha sido numa das vezes em que, num arroubo de rebeldia, eu tentava segurar o sono e partir numa incursão proibida rumo às madrugadas da Sessão de Gala.

Mas a memória já ficou vaga, turva, palidamente envelhecida. Mais um daqueles filmes que eu tenho certeza que vi, sei que gostei, mas não me lembro bem porque. É algo parecido com encher a cara numa baita festança e, no dia seguinte, só ter uma leve lembrança do que aconteceu. Você tem pra si que foi bom, que valeu a pena, mas também já não tem muita certeza se foi você mesmo que gostou, ou se sua opinião é apenas um eco do que seus amigos lhe contaram depois.

Tudo bem, a analogia é fraca. Vamos tentar de novo. Pensem num amor adolescente, na menina ou no garoto que pipocou o primeiro amor platônico no seu coraçãozinho inocente. Naquela que você mirava sempre quando, durante os bailinhos de garagem, a vassoura começava a rodar. Invariavelmente, você deve ter sentido um aperto danado no peito, um medo do cão de ser rejeitado. Mas, hoje, são restam só doces lembranças.

Agora acho que exagerei. Mas enfim, você já deve ter sacado aonde quero chegar com tantas delongas. Afinal, faz algum sentido reencontrar o tal amor platônico, apenas para certificar-se se realmente ele era tudo isso? Se merecia de verdade aquelas tão cândidas e emolduradas memórias?

O bom senso, a canja de galinha e qualquer manual de auto-ajuda diriam categoricamente que não. Não valeria a pena, em hipótese alguma, procurar o seu precoce amor eterno e correr o risco de encontrar alguém, digamos assim, com todas as características não compatíveis com seus requisitos atuais para o possível amor eterno. Com essas coisas não se brinca, traumatizar um adulto pode ser mais fácil que traumatizar uma criança. Certas zonas psíquicas devem ser preservadas, portanto.

Mas, enfim, como cautela demais também faz mal à saúde, fui passar minhas memórias a limpo. Revi Casablanca uma, duas, três vezes. E não, ali não há a menor possibilidade de se perder o encanto.

sábado, novembro 22, 2003





Rashomon

Quando todas as teorias conspiratórias alertam para o fato de que nada é o que parece e denunciam a verdade por detrás dos acontecimentos, pode acreditar.

A realidade pode ser muito mais simples, vulgar, irrisória e ordinária do que desconfia nossa vã filosofia.

E então os heróis épicos voltam cabisbaixos para dentro dos romances, e o lirismo das grandes estórias de amor se bastam nas vozes dos poetas.

Resta pouco atrás das cortinas: medo e desejo, sobreviver e saciar-se. Quase sempre.

sexta-feira, novembro 21, 2003



Sofisma higiênico-estatístico

Levando-se em conta que a quase totalidade dos textos deste blogue se originam de idéias que tenho durante o banho, meu Deus, acho que devo estar fedendo.

terça-feira, novembro 18, 2003



Isaías

Isaías quase virou vapor numa boca de fumo em Pirituba. Dizem que foi salvo pela música. Já tocava todo domingo na roda de pagode do Alemão, mas a coisa engrenou mesmo quando teve a idéia de virar professor.

Ensinava violão e cavaquinho nos fundos da casa da mãe. Foi à falência quando uma ONG começou a oferecer aulas de graça para a molecada da comunidade.

Hoje Isaías come todo dia o sopão do Parque Dom Pedro.

sexta-feira, novembro 14, 2003



Com os nervos a flor da pele

(...)
A imprensa cedeu uniformemente a diversas práticas condenáveis. Apelou a um sensacionalismo sanguinário, explorou incondicionalmente um drama familiar, manipulou as emoções já nada reprimidas da classe média amedontrada. Tudo para vender jornal, é claro. Pois, se não fosse com esse objetivo, não se trataria este caso de maneira tão diferente à cobertura das outras tantas mortes, entre quarenta e sessenta, que acontecem a cada fim-de-semana em São Paulo. Apenas uma questão de público-alvo.
(...)

De volta depois de um breve retiro. E, realmente fazia tempo que a imprensa não ficava tão marrom. Vá até lá e leia o texto completo.

quinta-feira, novembro 13, 2003



Antonio e o Muro

Seus olhos brancos e grandes brilhavam estalados por detrás da janela. Apontavam para o muro do outro lado da estrada, congelados, vidrados. Não que ali houvesse algo diferente para olhar, aqueles olhos não procuravam por nada.

Antonio abaixou a cabeça e olhou para a xícara que esquentava suas mãos. Quem passasse por ali naquele instante, e olhasse pela janela da guarita, não veria nada. Não havia luz ali dentro. Antonio mexia o café e pensava que aquela mistura com remédios tinha começado a deixá-lo meio besta. Mas aquilo era bom, principalmente nestes dias de troca de turno, deixava a mente acordada. O que era necessário. Mesmo que ninguém passasse por ali numa hora daquelas, precisava ficar sempre atento ao rádio. Afinal, alguma coisa podia acontecer em algum outro lugar.

Era preciso ficar atento, costumava dizer o sargento. De todo o tempo servido em Varginha, a coisa que mais havia lhe ficado na cabeça era aquela frase. Na verdade, a frase era outra – tem que ficar esperto, filho da puta. Aquilo era lição para toda a vida, disse a mãe depois do seu desligamento. Toda a vida.

Estava era cansado de ficar ali sentado. O cubículo mal dava para esticar as pernas, mas lá fora estava frio, e o café ainda estava quente. Antonio girava a colher, arranhando as paredes internas da xícara. Aquele redemoinho era engraçado. Deixava o café espumante e ele gostava daquilo.

Depois do quartel, até conseguir um lugar na firma, o tempo que se passou foi muito. Tempo inútil, desgraçado, mas depois, quando conseguiu o emprego, depois foi bom. Segurança Patrimonial, a firma. Mas, como lhe haviam dito, ele não era um segurança - ele era um vigilante. Para poder vigiar, portanto, fez treinamento de luta marcial, direção defensiva, combate ao fogo, sobrevivência na selva. Mesmo já sabendo atirar desde o quartel, fez o curso de tiro de novo. Não custava e, afinal, tudo aquilo era necessário para a função. Aprendizado para toda a vida, sobretudo. Mas, como lhe diziam, tudo aquilo podia não ser suficiente, o importante mesmo era estar sempre alerta, era preciso ficar atento.

O silêncio daquela noite perturbava. Desde que fora transferido para aquele posto, era quase sempre assim. Piorava quando pegava o turno da noite. Se durante o dia o movimento na estrada já não era muito, à noite não havia alma viva passando por ali. Dois meses atrás, havia sido alocado para prestar serviço numa siderúrgica. Seu posto, este mês, guardava o portão dum depósito de alguma coisa. Precisava ficar atento, era preciso proteger o patrimônio da empresa. Não que por ali passasse muita gente para ameaçar a empresa. Não que houvesse ali grande patrimônio.

Depois de um tempo na firma de segurança, tentara entrar para a polícia. Tinha uns amigos lá dentro, achava que todo aquele treinamento podia ter alguma serventia. Queria mesmo era trabalhar na Roubo a Bancos, todos falavam que ele era fera, que devia tentar, que ali faria sua vida. Mas não passou no concurso, que a vida fique assim então.

O relincho de uma brecada brusca, dois estampidos ao longe, e os olhos de Antonio estavam estalados no muro branco de novo. Na semana passada acontecera a mesma coisa. Havia ouvido dois estrondos também e, logo depois, dois carros da polícia haviam passado em disparada. Agora aquele barulho de novo. Seus olhos ficaram ali, fixos, por uns cinco minutos. Desta vez ninguém passou pela estrada. Antonio caiu em si, abriu a gaveta com agilidade e, através do rádio, tentou alcançar a outra guarita localizada no outro extremo do depósito. Como não atendiam, pensou em tocar o alarme. Atenderam. Tudo na santa paz. Não era nada.

Não era nada, dizia sempre a mãe depois do tombo. O importante era perseverar, ela dizia. Mesmo que nunca fosse nada. Mesmo que nunca desse em nada.

Em pouco tempo o silêncio era completo novamente. O lugar era tranqüilo, pelo menos, ele não podia reclamar disso. Sempre gostara de ficar sozinho. Mas ali não havia nada para olhar. Com exceção do muro branco, claro. Antonio vigiava então, sempre atento, aquele grande muro branco. Sem procurar por nada.

quarta-feira, novembro 12, 2003



Saiam da frente

Quando eu não quero fazer nada, ninguém me segura.


Update do Polzonoff

O lançamento livro do Polzonoff em São Paulo está confirmado para o dia 15 de novembro, a partir das 19h30, no bar e restaurante Pão com Manteiga, na rua Haddock Lobo, 141.

Todo mundo lá pra ver O Cabotino. E sim, estarei lá, como não?

quinta-feira, novembro 06, 2003

LANÇAMENTO DA EDITORA CANDIDE



Olha só, galera carioca, atenção para o convite acima. Satisfação de ver estes dois amigos do mundão internético lançando seus livros juntinhos, principalmente quando a Editora ainda é fruto da iniciativa empreendedora de outra gentefinaça da net.

Parabéns sinceros, meus caros... Sei que esse lance de lançamento conjunto é na verdade uma estratégia para dividir a conta do vinho branco, mas a gente perdoa.

Ia desejar muita merda proceis, mas fiquei com medo que isso só se use em estréias teatrais. Então desejo só muito sucesso mesmo.

Para turma de Curitiba, acho que tem também lançamento do livro do Paulo hoje no Beto Batata. Mais informações aqui.

E para turma de Sampa (eu, por exemplo), o evento é dia 15, e, claro, podem me esperar por lá.

terça-feira, novembro 04, 2003



Por que essa pressa, afinal?

Pra onde tanto eu quero ir? Aonde tanto eu penso que tenho que chegar? Para que essa eterna sensação de tempo perdido, essa busca frenética por respostas, a vontade insana de entender o mundo, resolver as pendências, quitar todas dívidas, esquecer as mágoas, não depois, nem amanhã, nem na sábia cadeira de balanço da velhice, não, depois não, tem que ser agora. Por que essa gana de abraçar o mundo, de querer fazer tudo, de ir ao banco, jantar com a mãe, ir a duas festas e ainda se frustar, se xingar, se morder por ter perdido o maldito show da banda mais falada da última semana? Correr pra estar em três lugares numa só tarde, e acabar cansado demais pra prestar atenção em um só deles. Ridiculamente estúpido. Por que estar sempre se acusando de preguiça, se não falta esforço? Talvez falte energia, talvez falte foco, talvez falte paciência. Se é idiota não buscar o sonho, cobrar pra que ele me chegue amanhã é muito mais patético. Por que tem que ser amanhã? Por que sempre acordar e implorar por mais uma hora de sono, e, depois, à noitinha, não ter coragem de ir pra cama sem acessar a net? Essa maldita mania maleducada de chegar sempre atrasado que só pode ser medo de perder tempo esperando. Medo de perder tempo... como se pudesse guardá-lo. Nada mais imbecil que enervar-se em busca da tranquilidade, aniquilar-se na própria ânsia, nada mais insano que lutar contra esse grandesíssimo canalha que é o tempo, que não se pode vencê-lo, que só resta juntar-se a ele.

Pra que a pressa? Pelo ponto final? Ou é medo do ponto final? Ora, bolas, deixa isso pra depois...

segunda-feira, novembro 03, 2003



Chuva

Num desses dias gelados de pouco tempo atrás, ouvi alguém praguejar contra o frio dizendo que conhecia dezenas de canções escritas em homenagem ao verão, mas não conseguia se lembrar de nenhuma ode poética ao inverno.

Como também não sou muito fã das temperaturas baixas, não me esforcei em refutar a afirmação. Mas ontem, fechado num quarto de hotel, privado de me perder pelo Rio de Janeiro pela força de um baita temporal, me peguei pensando na chuva. Meu Deus, como se canta a chuva, não?

De Jorge Ben aos Paralamas, chove chuva sem parar. No entanto, com a licença dos defensores da cultura nacional, minha música predileta sobre a chuva, aquela que estava na minha cabeça bem naquele momento, não é uma canção brasileira. Não, ainda não sou tão óbvio - também não é Raindrops Keep Falling On My Head, muito colorida praquele ontem cinzento. Poderia até ser I'm Only Happy When It Rains, aquele hit energético do Garbage, ótima também, mas não - ela é um tanto sarcástica demais prum momento de contemplação, um estado de felicidade e melancolia em combinação perfeita.

Na sacada do apartamento, de frente para a névoa branca que era para ser o Pão de Açúcar, eu cantarolava Happy When It Rains, do Jesus & Mary Chain.

Não sou daqueles que já ouviam o JMC desde os anos 80. Minha onda, naquela altura, era ouvir a trilha do Plunct Plact Zum!. Mas a banda foi uma das melhores descobertas tardias que fiz nos últimos tempos. Daquelas de se arrepender por não ter tido um irmão mais velho para ter me empurrado doses de roquenrol mais precocemente. Mas, tudo ao seu tempo, antes tarde do que nunca.

Abusando de clichês dignos dos mais mequetrefes críticos musicais, essa canção é uma daquelas pérolas do pop perfeito. É sério. Deve haver uma dúzia dessas, em todo o planeta. Tão perfeita, que virou trilha de comercial de automóvel. Não tenho muita certeza, mas posso jurar que era ela numa das últimas campanhas da Chevrolet.

Agora, por favor, deixem todo esse clichê de lado, tirem todo o mercantilismo imperialista da jogada e, enfim, fiquem só com a música. Escutem, ouçam. Assim como a quase homônima música do Garbage, ela é uma daquelas canções vivas, vibrantes, ideais pra se ouvir na estrada. Se também ainda carrega um pouco da mesma índole sadomasoquista daquela outra, Happy When It Rains traz, sobretudo, aquilo que, caramba, deve ser a tal tão cantada poesia da chuva. Uma melancolia feliz, que lava a alma, sacode a poeira e pede pra seguir em frente.


Happy When It Rains

Step back and watch the sweet thing
breaking everything she sees
she can take my darkest feeling
tear it up till i'm on me knees

plug into her electric cool
where things bend and break
and shake to the rule

talking fast couldn't tell me something
i would shed my skin for you
talking fast on the edge of nothing
i would break my back for you

don't know why, don't know why
things vaporise and rise to the sky

and we tried so hard
and we looked so good
and we lived our lives in black
but something about you felt like pain
you were my sunny day rain
you were the clouds in the sky
you were the darkest sky

but your lips spoke gold and honey
that's why i'm happy when it rains
i'm happy when it pours

looking at me enjoying something
that feels like feels like pain
to my brain

and if i tell you something
you take me back to nothing
i'm on the edge of something
you take me back

and i'm happy when it rains

(Jesus & Mary Chain)




I'm back on the road, baby...

segunda-feira, outubro 20, 2003



Ainda Pacha Mama

O texto sobre a crise da Bolívia, que eu havia publicado primeiramente no Imprensa Marrom, saiu agora na Nova-e. Não deixe de ir lá conferir, a última edição ficou muito bonita mesmo.




Anarcospray





Uma mentirinha na cabeça e uma lata na mão. Dica ótima da Trip deste mês: Banksy, o grafiteiro ativista mais temido da Inglaterra.





Duca... E aqui tem mais imagens.



Cidade Maravilhosa, aqui vou eu



Cariocada amiga, me aguardem...

sábado, outubro 18, 2003



Pacha Mama





Alguns povos indígenas do Peru e da Bolívia chamam assim a "Deusa Terra", ou melhor, a "Mãe Terra" - Pacha Mama. Ao contrário do que tradicionalmente crêem as populações nômades do deserto, cujas vidas se passam sob uma abóboda celestial única e esmagadora, esses povos da selva e da montanha não acreditam que são criação de um único Deus, que o homem está na Terra numa transitória expiação e que, depois da morte, o céu é finalmente seu destino glorioso. Sua crença é de que a vida teve origem de dentro da própria Terra. Simplificando, seu mito é de que um dia, há longínquos anos, uma enorme cratera se abriu no solo e os primeiros homens foram expelidos para a superfície. Foram cuspidos por Pacha Mama.

Pacha Mama é a fonte de toda a vida. É a provedora de alimento e de abrigo. Para eles, a Terra, a natureza, não é o lugar maldito e selvagem onde devem sobreviver os pecadores expulsos do Paraíso. Pertencemos à ela, somos parte dela, somos seus filhos.

(...)

As divagações sobre a Bolívia, a crise, o povo, o gás e a coca, continuam lá no Imprensa Marrom. Confira lá e não deixe de mandar sua opinião sobre tudo isso...






Esta capa não ficou linda?

terça-feira, outubro 14, 2003



Armas, drogas e contradições

Que fique bem claro que sou contra qualquer pessoa portar uma arma de fogo. Acredito ser uma estupidez dizer que as pessoas de bem devem ter o direito de andar armadas para proteger-se contra a marginalidade – quem, afinal, vai definir quem são as pessoas de bem? Até onde uma “pessoa de bem” também não pode me fazer mal, intencionalmente ou não? Aliás, proteger-se como, cara pálida? Na base do bangue-bangue?

Penso isso assim, pragmaticamente, sem entrar em muitas filosofias. Nem quero começar com delongas sobre o Estado de Direito, contrato social, renúncia ao direito da força, etecéteras. Mas que fique bem claro minha posição – não consegue-se combater a violência colocando um revólver na mão de cada cidadão.

Chega então a hora da tradicional virada no enredo da crônica. O famoso por outro lado. Lá vai então: por outro lado, pensava eu com meus botões o quão pode ser contraditória a argumentação dos grupos mais progressistas da nossa sociedade, ao tentar defender seu ponto de vista frente a esta e a outras polêmicas em voga nos últimos tempos. (...)


Tarda mas não falha... Leia a coluna todinha lá no Imprensa Marrom. Era pra sair na sexta, mas chegou só hoje. Na próxima sexta tem mais...

quarta-feira, outubro 08, 2003





- My goodness, what happened to your nose?
- I cut myself shaving.
- You ought to be more careful. That must really hurts.
- Only when I breathe.


terça-feira, outubro 07, 2003



Recado do Bardo

Depois da poesia mequetrefe do post abaixo, me sinto na obrigação de postar aqui algo que realmente valha a pena. Melhor então contar com uma singela ajuda alheia.







Antes, porém, um breve contexto: Lucêncio, filho de um rico mercador de Pisa, parte para a cidade de Pádua a procura de novos mundos, ansioso por mergulhar no estudo das artes e da filosofia, adornando assim a fortuna de seu pai com as ações virtuosas dos sábios. Pergunta então a Trânio, seu pajem, se faz bem em prosseguir nessa jornada. E lá vai Trânio, na tradução do Millôr Fernandes:

Trânio: "Mi perdonato", meu gentil senhor, pois concordo nisso tudo, contente que persista no intento de aspirar as doçuras da doce filosofia. Apenas, meu bom amo, por mais que admiremos essa virtude, essa disciplina moral, rogo-lhe não nos tornemos estóicos e insensíveis. Nem tão devotos da ética de Aristóteles a ponto de achar Ovídio desprezível. Apóie a lógica nos seus conhecimentos do mundo e pratique a retórica na conversa usual; inspire-se na música e na poesia e não tome da matemática e da metafísica mais do que o estômago pode suportar; o que não dá prazer não dá proveito. Em resumo, senhor, estude apenas o que lhe agradar.

segunda-feira, outubro 06, 2003



Às favas
me rendo
à onda
ao vento
repito em côro
a rima fácil
Deus, como é bonita
essa tal Maria Rita

sexta-feira, outubro 03, 2003



Transgênicos - Pelo menos uma obviedade

A imprensa tem tratado o assunto dos transgênicos quase que exclusivamente pelo glamoroso prisma do embate científico. A mitológica luta entre o medo do futuro e a inevitável marcha do progresso tem, sem dúvida, um apelo e tanto aos nossos genes em luta pela sobrevivência. Tudo fica então resumido a lavradores conservadores, consumidores temerários e cientistas visionários (ou malucos).

Por esta perspectiva, é simplesmente irracional ser contra os transgênicos. Mexer em território proibido, alterar a ordem da natureza – argumentos como esses ora remetem a um saudosismo bucólico e pastoral, ora se assemelham à superstições apocalípticas vindas de um monastério beneditino da Idade das Trevas. Toda a história do homem foi marcada pelas intervenções deste junto à natureza e se opôr a isso, categoricamente, é ingênuo e inútil.

(vamos lá, leia o texto todinho lá no Imprensa Marrom...)

segunda-feira, setembro 29, 2003





Skank com muita questão

Vou deixar
a vida me levar
pra onde ela quiser...


O que fazer quando, atingidos pela típica depressão do domingo à tarde, todos os seus amigos se tornam desertores? O que fazer quando até mesmo sua menina fica com preguiça de encarar aquele seu plano nem tão ambicioso assim?

Pois é, eu sabia que depois iria ficar me auto-flagelando se desistisse. Então hesitei um pouco, mas fui. E lá estava eu, domingo à tarde, sozinho no show do Skank no Olímpia. Bem, sozinho não, claro. Eu, mais seis mil pessoas e alguns copinhos de Schin (não precisou nem insistir, não havia outra opção, fui obrigado a experimentar).

Finalmente tomei uma decisão acertada. Posso dizer que o show foi um dos melhores que já vi nestes 15 anos de andança. E talvez, se eu fosse mesmo fã de Skank desde criancinha (não, não sou...), teria sido o melhor.

O Olímpia é ainda um dos melhores lugares pra se ver show em Sampa. Casa pequena, palco ligeiramente alto, som excelente. Domingo não fugiu à regra. A cenografia montada ficou linda, tudo muito colorido, psicodélico, seguindo o clima retrô do último álbum.

E o Skank é aquilo. Uma banda pipoca, pop FM até a medula, com sucessos pra levantar o público interminantemente durante duas horas de show. Mas, reparem bem, os caras não tem nenhuma (nenhuma mesmo) música "queima-filme", tipo Jota Quests da vida, que você percebe ter sido feita sob encomenda para pré-adolescentes pustulentas.

Da mesma forma, caramba, não dá pra dizer ali não há qualidade. Ao ouvir músicas lindas como Resposta, Três Lados ou Balada do Amor Inabalável, me veio no rosto aquele sorriso espontâneo que só aparece quando detecta casos de talento sincero. Batata. Sem falar das músicas do Cosmotron, claro, os verdadeiros quitutes da noite, apresentadas cuidadosamente ao público entremeando os greatest hits de sempre. Maturidade com consistência, mas sem perder a energia.

Para deixar a noite ímpar (nossa, gostou? noite ímpar...), duas participações muito legais - Andreas Kisser, do Sepultura, entrou para levar a guitarreira de uma música bacana que sinceramente não me lembro o nome; e, mais ao final, um Nando Reis tipicamente chapado e simpatisíssimo veio cantar a sua Resposta. Tudo bem, até o Samuel Rosa consegue ser mais afinado que ele, mas o cara tem carisma inegável.

Show bom é assim - acaba com todo mundo saindo de alma lavada, camisa suada, olhos alegres. Aquele pós-coito que deixa a sensação de quero mais, só que não agora, mais tarde, porque por hora o êxtase já foi completo. E eu com aquele sentimento de realização, um gostinho bom por ter dado o cano no Pedro Bial e na Glória Maria. Sem contar que ainda deu tempo para, na volta, passar e dar um beijinho na minha menina. Missão cumprida naquele final de domingo.

sábado, setembro 27, 2003

Sinapses ao léu num sábado a tarde

Quem diria, a gente fica dando chute em cachorro morto e, de repente, o dito abre os olhos e dá um pulo.

O Luciano Huck, no seu Caldeirão, mostrou hoje uma matéria sobre um tal Felipe Braga, um cara do interior do Rio Grande do Sul que faz filmes de terror trash com orçamento de R$ 50,00. A reportagem foi ótima, muito engraçada mesmo.

Tá bom que, naquele programa chinfrim, que diz-se jovem e traz o sertanejo Leonardo como atração principal, qualquer coisa razoável chamaria atenção. Mas a matéria foi boa mesmo, é preciso reconhecer.

***

Acabei de ouvir Hotel Yorba, do White Stripes, na Brasil 2000. Depois veio You Bet, do The Who, em versão ao vivo.

Estou torcendo, mas uma pulguinha atrás da minha orelha fica sussurrando que isso não vai durar muito. Malditas neuroses pessimistas...

***

O ano inteiro sem shows e agora vem tudo ao mesmo tempo. Quinta-feira fui ver o Live, amanhã tem Skank, sexta que vem o Los Hermanos. E, no final do mês, a melhor empreitada - ir ao RJ para o Tim Festival. O sorriso está no rosto, mas haja crédito bancário, meu senhor.

***

Nunca fui de consultar dicionário. Eventualmente uso, claro, mas nunca foi uma rotina. Uma vez li o Paulo Francis dizendo que adquirira boa parte da sua cultura através deles. Ia procurar uma palavra e acabava lendo também o significado da de cima e da de baixo. Achei isso interessante, mas não me esforcei para seguir o hábito. De tal forma que só tenho aqui em casa aquelas edições mirradas do "Pequeno Dicionário Aurélio".

Depois que comecei a escrever com mais frequência, porém, comecei a sentir falta. Outro dia fui atrás de uma palavrinha e a danada não estava lá no meu Aurelinho.

Preciso de um daqueles grandes. O problema é que são caros. Será que alguém não tem um velhinho pra me vender baratinho, não?

sexta-feira, setembro 26, 2003

terça-feira, setembro 23, 2003





Intriga Internacional

Semana passada assisti a "Intriga Internacional", um dos clássicos do Alfred Hitchcock. Eu, que esperava um filme com o clima soturno de Os Pássaros ou um suspense a la Psicose, me surpreendi bastante. Acabei não levando nada daquilo que tinha comprado.

Intriga Internacional é um filme de ação, cheio de bom humor, tiradinhas sarcásticas e cenas de perseguição. Nada de profundidade psicanalítica ou metáforas sombrias. Apenas uma trama intrincada de espionagem, conduzida com leveza e sem nenhum compromisso com a verossimilidade. Só diversão, ora pois.

E ainda temos também a famosa cena do avião. Hitchcock coloca nosso mocinho, Roger Thornhill (interpretado por Cary Grant), no meio de uma estrada em pleno deserto do Meio Oeste americano. Thornhill, um mero executivo de propaganda, teve sua identidade confundida com a de um agente secreto e está agora fugindo tanto da polícia quanto de espiões internacionais. Ao mesmo tempo, ele próprio tenta descobrir por que raios aconteceu a tal confusão. Marcou um encontro nesta estrada com um outro espião. Desce do ônibus e fica ali, no meio do descampado inóspito, esperando alguém que sequer sabe quem é. Hitchcock segura essa espera, sem nenhum diálogo, durante 7 minutos. Impensável hoje em dia. E, depois de toda essa expectativa, coloca um avião monomotor para perseguir Thornhill pelo deserto.

Claro, seria muito mais fácil matar o mocinho com um tiro na cabeça. Mas, afinal, o que seria dos filmes de ação se todos os vilões fossem práticos e objetivos? Em outras cenas também é preciso entrar na onda do filme. Não dá para levar a sério diversas das situações de ação. Mas isso é comum em todo filme desse tipo - independente dos efeitos especiais disponíveis, é a fantasia que manda. E dentro da sua fantasia, o filme se fecha direitinho.

Além de boa diversão, Intriga Internacional traz um dos diálogos de sedução mais legais que já vi no cinema. Bastante ousadinho para a época, aliás. Dá pra ver que, mesmo em 1959, quem comandava o jogo já eram as mulheres.

Thornhill está fugindo da polícia, seu rosto já está nas manchetes de todos os jornais. Ele foge pela estação ferroviária e consegue entrar num trem já de saída. No corredor, tromba com uma desconhecida, Eve Marie Saint, e ela acaba ajudando-o a despistar a polícia. Mais tarde eles se encontram no vagão-restaurante.

O diálogo em inglês você pode conferir aqui, no roteiro original. Traduzi o mesmo trecho aí embaixo, só por diversão mesmo. Saboroso.



Intriga Internacional - cena do vagão-restaurante
- tradução livre do roteiro de Ernest Lehman -

Ao tentar se despistar do fiscal ferroviário, Roger Thornhill entra no vagão-restaurante e acaba sentando-se na mesma mesa da garota com quem havia esbarrado anteriormente. Seus olhares fogem por alguns instantes. Mas se encontram logo.
- Bem, juntos de novo...
- É...

Thornhill olha o menu.
- Me recomenda alguma coisa?
- A truta. Um tanto apimentada, mas muito boa.
- Me convenceu.

O garçon anota o pedido. Thornhill olha a sua volta, está preocupado em ser reconhecido pelos passageiros. Quando se volta para Eve, é ela quem o está encarando.
- Eu sei. Devo parecer vagamente familiar para você.
- Parece.
- Você deve sentir que me conhece de algum lugar...
- Sinto.
- É engraçado, a todo lugar que vou tenho esse efeito nas pessoas. Deve ser alguma coisa com meu rosto...
- É um belo rosto.
- Você acha mesmo?
- Nunca teria dito se não achasse.
- Ah, então você é desse tipo...
- Que tipo?
- Honesta.
- Não muito...
- Ainda bem. Mulheres honestas me dão medo.
- Por que?
- Me sinto em desvantagem diante delas.
- Porque você não é honesto com elas...
- Exatamente.
- Algo como essa estória de estar fugindo da polícia por causa de contas atrasadas...
- O que eu quero dizer é o seguinte: no momento em que eu encontro uma garota atraente, automaticamente eu tenho que começar a mentir que não quero fazer amor com ela.
- E o que faz você achar que deve mentir?
- Ora, ela pode achar a idéia inconveniente.
- Ou, quem sabe, talvez não.

- Sou mesmo sortudo de terem me sentado aqui, não?
- Sorte não tem nada a ver com isso.
- Destino?
- Eu dei cinco dólares ao garçon para trazer você aqui caso você entrasse.

Grant olha Eve por um longo momento.
- Isso é uma proposta?

Eve olha Grant de volta pelo mesmo longo momento.
- Eu nunca faço amor de estômago vazio.
- Mas você já comeu.
- Mas você não...

Eles se olham, congelados com um sorriso no rosto. E o garçon chega trazendo o jantar para Thornhill.
- Você não acha que já é hora de nos apresentarmos?
- Meu nome é Eve Kendall. Vinte e seis anos e solteira. Agora você já sabe de tudo...
- E o que você faz além de arrasar com os homens dentro de trens?
- Trabalho com design industrial.
- Eu sou Jack Phillips. Gerente de vendas da Kinby Electronics.
- Não, você não é não. Você é Roger Thornhill, da Avenida Madison, e você está sendo acusado de assassinato em todos os jornais do país. Não seja tão modesto.
- Oops...
- Não se preocupe. Não vou dizer nada.
- E porque razão?
- Eu já te disse - você tem um belo rosto.
- Só por isso?
- Bem, esta vai ser uma noite longa...
- Isso é uma verdade.
- E particularmente eu não gostei do livro que acabei de começar...
- Ah...
- Entendeu?
- Exatamente...

Eve coloca um cigarro nos lábios e olha para Thornhill. Ele tira os fósforos do bolso e risca um deles. Ela pega na sua mão e conduz a chama até o seu cigarro.

- Eu te convidaria para ir ao meu dormitório, se eu tivesse um dormitório, arrisca Thornhill.
- Nem uma cabine?
- Nada, nem mesmo uma passagem. Estou brincando de esconde-esconde com o fiscal desde que saímos de Nova Iorque.
- Que desagradável para você, não?
- Sem lugar para dormir...
- Eu tenho um dormitório extra-grande todinho pra mim.
- Isso não é justo, é?
- Vagão E, dormitório três-nove-zero-nove.
- Bonito número.
- Fácil de lembrar.
- Três-nove-zero-nove.
- Viu?
- Estou sem bagagem...
- E?
- Você não teria um par de pijamas extra, teria?
- E por que não teria?




domingo, setembro 21, 2003



PSI

Ainda não há notícia de declaração de apoio do nosso mambembe ministro da cultura. Mesmo assim, gostaria de pedir sua adesão ao novo programa de estímulo a economia cultural tropical - o novo "Programa de Substituição de Importações".

Nada de fechar as fronteiras, porém. Sem ranços do passado. O PSI não tem nenhum intuito de tentar proteger as mentes brasileiras das influências nefastas da cultura anglo-saxônica. Afinal, adoramos influências nefastas. Antropofagicamente, no entanto, precisamos manter nosso apetite globalizado ao mesmo tempo que preservamos nossos bolsos tupiniquins.

A idéia é a seguinte - compartilhe produto estrangeiro, compre produto nacional.

Gravadoras e editoras multinacionais não vão sentir falta do seu suado e amassado dinheirinho. Elas já estão entediadas recebendo remessas de lucros de diversos lugares inóspitos. Seus precinhos também, estão assim, digamos, nada convidadativos. Sem culpa então se apenas divulgarmos sua cultura pelos já tradicionais métodos de escambo - empreste, troque, doe.

Do lado de cá do Equador, porém, aja diferente. Se você gosta daquela cantora do barzinho do seu bairro, se você foi a um show legal de uma banda independente, se o escritor que você lê na net lançou um livro por uma editora pequenininha, se acabou de sair uma revista direcionada ao seu (ao teu) clubinho de preferências, por favor, faça a sua parte. Compre o CD, pague o ingresso, vá atrás do livro, compre a revista. Reconheça o trabalho de quem merece e precisa.

Protecionismo cultural? Contrapartida social? Não, economia de sobrevivência. Afinal, você, cidadão com mais de 18 anos, também tem o dever de preservar as reservas cambiais brasileiras.


sexta-feira, setembro 19, 2003



A Terceirização, Gugu e o Tirar da Reta

Numa interpretação mais vulgar, terceirizar significa “tirar da reta”. E um bom exemplo disso é a estratégia que o Gugu tem utilizado para se livrar das responsabilidades quanto ao escândalo da forjada entrevista com o “PCC”.

Já está lá no Imprensa Marrom minha coluninha desta sexta-feira de sol relutante. Te espero lá, ok?

quinta-feira, setembro 18, 2003



Pela tampa...

Enfim, fiquei verdadeiramente puto com algumas coisas que aconteceram aqui no trabalho nos últimos dias. É impressionante a habilidade das empresas para, num curtíssimo espaço de tempo, conseguir acabar com qualquer indício de cooperação ou amistosidade dentro do ambiente de trabalho.

Eu sei, a competitividade é coisa inerente ao nosso sistema de ganha-pão. Não reclamo dela. Entendo também que, conforme os horizontes vão ficando mais incertos, as pessoas tendem a preocupar-se cada vez mais em olhar pro seu umbigo e proteger o seu cantinho a todo custo. Eis a seleção natural, minha gente, a lei da sobrevivência.

O problema é quando isso vira praxe. E a competitividade vira justificativa para um joguinho sujo, cheio de falsidades, grosserias e trairagens. De alguém que trabalha comigo não peço amizade sincera, afeto ou cumplicidade. Não ambiciono ser o padrinho do filho de ninguém, ora bolas. Só exijo ética e profissionalismo. Um mínimo de confiança, para não ter que vir trabalhar todo dia esperando a próxima punhalada.

Acho que passei a vida desviando de pessoas assim, separando o joio do trigo, escolhendo as amizades segundo as coisas em que eu acredito. Mas chega uma hora que não dá pra evitar, a pedra está lá parada no meio do seu caminho, ou você pára, ou você chuta ela pra longe.

A questão é que não sei se estou a fim de entrar nesse jogo. Pra falar a verdade, já nem sei se quero ganhar esse jogo. Meu saco já está cheio demais. Não tenho mais saúde pra isso. Não vou me enfiar em embates idiotas e sem sentido, sair desgastado só por causa do meu orgulho.

Ao mesmo tempo, já descartei a resignação como saída. Como diria o Yuka, paz sem voz não é paz, é medo. E, além do mais, cobra parada não engole sapo.

quarta-feira, setembro 17, 2003



Se eles acharam que estou derrotado, vão ficar sabendo que ainda estão rolando os dados. Eles querem meu sangue, pois terão o meu sangue. Eu vou lutar - só que não com esta farda.



O pouco que sobrou

Eu cansei de ser assim
Não posso mais levar
Se tudo é tão ruim
por onde eu devo ir?
A vida vai seguir
Ninguém vai reparar
Aqui neste lugar
eu acho que acabou
Mas vou cantar pra não cair
fingindo ser alguém
que vive assim de bem

Eu não sei por onde foi
Só resta eu me entregar
Cansei de procurar
o pouco que sobrou
Eu tinha algum amor
Eu era bem melhor
Mas tudo deu um nó
e a vida se perdeu
Se existe Deus em agonia
manda essa cavalaria
que hoje a fé me abandonou


(del hermano, Marcelo Camelo)

sábado, setembro 13, 2003



Notinhas nem tão sortidas

Veja bem, hoje é sexta-feira, o frio está indo embora, o sol já arrisca sair. Fiquei sem empolgação para levantar questionamentos densos e sérios sobre a imprensa nacional. Não há clima para ser reclamão.

Se me permitem um pouco de leveza, decidi na coluna de hoje trazer apenas algumas notinhas, diversas e sortidas, sobre nosso mundo mediático. Na maioria delas porém, ainda quero calcar num assunto já comentado aqui em colunas anteriores – a disseminação ampla, generalizada e gratuita da informação.

(Na coluna desta sexta no Imprensa Marrom, uma salada mista de Bookcrossing, gravadora Trama, fim do Blogger Pro, Strokes e outras iguarias...)

quinta-feira, setembro 11, 2003



Como diria o Luis Fernando Veríssimo - poesia, numa hora dessas?!


Paciência
- ou Variações em Torno de um Tema de Lenine


É justo quando estamos sem paciência
que precisamos da paciência
dos outros

Mas se o outro estiver sem paciência
precisando também de paciência
que pena

Dois bicudos não se bicam
Impacientes não se aguentam
E por carentes acabam
sozinhos

O indolente não me entende,
me ignora, não me gosta
Então respira, espera, busca
o que faltou ali agora
paciência

segunda-feira, setembro 08, 2003



Se prepare para o 11 de setembro

Não, não se trata de nenhuma medida anti-terrorista. É apenas uma idéia que anda circulando por aí, uma espécie de spam do bem. Algum tempo atrás acho que a Paula já tinha falado por alto sobre isso. Desta vez foi a Mana que me repassou um e-mail, e a idéia parece agora já ter data marcada. Dê uma olhada na mensagem abaixo...

Acho que vou aderir.

> Libere um LIVRO!
>
> Na manhã de 11 setembro 2003 não se esqueça de sair
> munido de um livro que seja importante para você.
> Um livro que tenha mudado sua maneira de ver o mundo. Ou
> que você acredite que possa mudar a vida de alguém, de
> alguma forma.Escreva uma dedicatória... e o libere!
> Libere-o na via pública, sobre um banco, no metrô, no
> ônibus, em um café... a mercê de um leitor desconhecido.
> E você? Adotará um livro que esteja em seu caminho, caso
> ele surja.
> A mobilização será geral em Bruxelas, Paris, Florença e
> São Francisco.
> Vamos fazer isso também em nossas cidades aqui no Brasil.
> Engaje-se nessa idéia também! E faça circular essa
> informação!



sexta-feira, setembro 05, 2003



De dentro da notícia

Desde terça-feira o Cláudio Delunardo tem feito um relato emocionado dos protestos estudantis que estão parando Salvador.

Não deixe de ler, esses baianos andam inspirados...



Limites?

O buraco está cada vez mais embaixo, a cara de pau cada vez mais deslavada. Por que razão políticos, governos, empresários ou celebridades iriam se dar ao trabalho de fazer jogos de poder ou de influência? Hoje em dia compra-se a notícia e pronto. Depois de perverter o inocente mundo do entretenimento, o jabá parece ter finalmente chegado ao mundo informação.

(Sexta-feira é dia de coluna no Imprensa Marrom! Bora pra lá, minha gente!)

quarta-feira, setembro 03, 2003






'He's a prophet and a pusher, partly truth, partly fiction. A walking contradiction.'

É comum ouvir que Quentin Tarantino e David Fincher bebem sua mistura de sexo, violência e psicose direto da fonte de Martin Scorsese. Depois de ver Taxi Driver (pela primeira vez no último domingo – vergonha) só posso pensar uma coisa – a dupla cool dos anos 90 ainda tem que tomar muito caldinho de feijão para fazer um filme daquela estatura.

E olha que eu adoro Pulp Fiction, Seven e Clube da Luta. São filmes excelentes. Mas é impossível comparar. Tarantino pode ter herdado a violência estética, descolada e ágil. Mas quanto ao conteúdo, seus filmes são rasos. Tarantino é um excelente contador de estórias de ação, e isso já é o bastante.

David Fincher, além da estética, também toma emprestados alguns temas típicos de Scorsese. A inadequação, o isolamento, a alienação, a neurose, a violência. Mas Fincher carrega demais na mão, seus filmes são cheios de discursos, repletos de frases de efeito. Pense no psicopata de Seven, ou no pirado Tyler Durden do Clube da Luta. São personagens que se explicam demais, são panfletários, tagarelas.

Taxi Driver é daqueles filmes artesanais, onde nada do que vemos na tela está ali por acaso. Tudo ali é de uma coerência incrível, mesmo sendo extremamente contraditório. Consegue ser, ao mesmo tempo, elegante, violento, sutil e denso. Na verdade, o filme é Travis Bickle. Tudo se constrói, ou se destrói, em torno do motorista de táxi solitário forjado por Robert De Niro. Travis Bickle é a tal contradição ambulante.

Mas, mais do que um filme psicológico, Scorsese filmou um verdadeiro tratado sociológico. Assustadoramente atual, mesmo 27 anos depois. Gerou polêmica, foi indicado à quatro Oscars, mas não levou nenhum. Não deixa de ser irônico que Michael Moore tenha ganho o seu em 2003, documentando a posteriori uma situação cujos sintomas Scorsese já profetizara em 1976. Talvez isso dê algum sentido àquele clichê - “a frente do seu tempo”.




Caro Sr. Sharifi...

Quando raios volta esse sistema de comentários, hein?!?!?

domingo, agosto 31, 2003



A Crônica Velha

O que se vê na maioria das cabeças pensantes brasileiras, aquelas que possuem espaço cativo na mídia impressa, é uma postura bastante negativa, não somente quanto às evoluções tecnológicas, mas quanto ao tempo presente. Generalizadamente.

Sem muitas exceções, o tom sempre oscila entre o saudosismo pelos anos dourados e a paranóia quanto aos tempos futuros. Tudo bem que vivemos o fim das utopias, mas não dá pra fechar os olhos ao presente e muito menos profetizar o fim das possibilidades futuras. Isso é, no mínimo, muito egoísmo para com as atuais e futuras gerações.

Cada vez que leio uma coluna do Jabor, do Cony, do Ubaldo, para ficar nos mais "conceituados", é como se visse minha avó assistindo ao Cidade Alerta e gritando aos quatro quantos: "Meu Deus, que situação, isso é o fim do mundo!!". Não tenho nada contra os idosos, mas penso que com a maior parte da crônica brasileira aconteceu isso: amadureceu demais, e hoje não passam de mentes velhas. (...)

(leia o texto completo no Imprensa Marrom!)

sexta-feira, agosto 29, 2003





Diários de Motocicleta
Ernesto Che Guevara

- O Livro -

(...) Como literatura, "De Moto pela América do Sul" tem o mesmo valor artístico que qualquer outro diário de viagem publicado em algum blog na internet. Mas, definitivamente, isso não tem a menor importância. Afinal, quem não gostaria de ler um blog escrito por Ernesto Che Guevara?


- O Filme -

Após a repercussão internacional de seus dois últimos filmes, Walter Salles Jr. estava engatilhado num projeto junto à Miramax para filmar "The Assumption of the Virgin", com participação da beldade Juliette Binoche. No entanto, algum desentendimento aconteceu com o estúdio americano, fazendo com que o diretor brasileiro abandonasse o barco para dedicar-se à adaptação do "Diário de Viagem" de Che Guevara. (...)

Leia os dois textos completos no Scream & Yell!



quarta-feira, agosto 27, 2003



Momento Supercine de Cinema



Agora ou Nunca

O Ministério da Saúde Britânico deveria obrigar o diretor e roteirista Mike Leigh a estampar no cartaz promocional de "Agora ou Nunca" (All or Nothing - Inglaterra, 2002) a seguinte advertência: "assistir deprimido pode levar ao suicídio". Respire fundo, tudo aqui vai ser angustiantemente simples, banal, tedioso e sem-sentido. Irreversível, muitas vezes. No final, pode parecer sadismo, mas a jornada acaba valendo a pena.

Quem se lembra do mais aclamado filme de Mike Leigh, "Segredos e Mentiras", ganhador da Palma de Ouro em Cannes 1996, sabe do que estou falando. Leigh, inspirado por suas raízes teatrais, costuma fazer filmes de baixo orçamento, com diálogos improvisados, elenco sem glamour e estórias simples sobre a vida cotidiana. A partir da vida aparentemente sem sal de pessoas comuns, ele consegue sempre extrair dramas intensos e dissecar personagens inesperadamente complexos.

(leia o texto na íntegra no Scream & Yell)

segunda-feira, agosto 25, 2003



Primavera




Sempre tive uma certa fascinação pelos acontecimentos do ano de 1968. Principalmente pelos levantes estudantis de Maio, em Paris, e pela Primavera de Praga.

Às vezes tento pensar na razão dessa fixação. Só consigo, no entanto, enxergar como isso denuncia uma série de contradições minhas. Talvez ninguém note, talvez eu consiga esconder, mas definitivamente é isso - sou um sujeitinho um tanto contraditório.

Tento sempre ser coerente, analisar tudo com bom senso, faço poses de equilibrado. Mas por traz da mente racional, bate um idealismo bobo e piegas. E só pelo fato de eu me referir a ele como bobo e piegas, já se vê como ele tem sido escondido e mal-tratado.

Na luta contra o excesso de superego, talvez seja bom dar ouvidos às besteiras sem sentido que diziam aqueles estudantes romanticamente malucos - sejamos realistas, exijamos o impossível.

Enfim, há 35 anos os tanques russos entravam em Praga e davam fim àquela primavera. Alexander Dubcek, o líder da Checoslováquia naquela altura, talvez estivesse exigindo o impossível - tentara flexibilizar a rigidez do regime, permitir o trânsito livre de pessoas, liberar a imprensa. Criava sua experiência de “democracia comunista”. Durou pouco. Mas aconteceu.

No último domingo o Estadão publicou um texto muito interessante, comparando a ação tomada pela URSS na época à estratégia adota pelos EUA na atualidade. Idealismo anda meio fora de moda, mas vale a pena ler.

"Quando a União Soviética se desintegrou, mais de 20 anos depois, os observadores ocidentais ficaram chocados. Eles já haviam se esquecido de 1968. Mas na época da invasão até a revista Time previu a queda: era o fim da Rússia heróica. Um país muito admirado por ter se atrevido a ficar sozinho e construir uma sociedade socialista, por proteger outros países socialistas, por sacrificar milhões cidadãos a fim de livrar a Europa do fascismo havia se tornado, simplesmente, um tirano que esmagava os países menores.

Uma superpotência que não representa mais nada, na qual ninguém mais acredita, que é vista apenas como tirânica, cairá a despeito de seu poderio militar. Se o governo Bush alguma vez quis refletir sobre a História, poderia pensar nisso."


sábado, agosto 23, 2003



Sua Dose Diária

Em certas épocas chego a pensar se vale mesmo a pena continuar lendo jornal e assistindo a noticiários na TV para me manter informado. É tamanha a dose diária de notícias urgentes, tragédias, colapsos mundiais e situações sem controle, que não sei até que ponto é benéfico ser bombardeado por tudo isso. Não que eu queira esconder-me do mundo ou alienar-me. A questão é que já perdi muito da credibilidade nos veículos que me entregam essas notícias. Não, não sou polyanna, não acredito que vivamos no mundo maravilhoso de moranguinho. Mas será que a intermediação da imprensa não tem ajudado a nos transformar em completos neuróticos e estressados?

O texto da semana já está lá no Imprensa Marrom. Leia tudo e comente!

terça-feira, agosto 19, 2003





Desculpem as palavras mas, caralho, é foda.



Sr. Mercado, me desculpe...

Preços justos que me fariam consumir desavergonhadamente:

- Revista - R$ 5,00
- CD - R$ 10,00
- Livro - R$ 12,00
- Ingresso de cinema - R$ 5,00
- Ingresso de teatro - R$ 7,00
- Ingresso de show - R$ 10,00
- Filme em DVD - R$ 15,00
- Aparelho de DVD - R$ 300,00
- Ponte Aérea ida-e-volta p/ RJ - R$ 100,00
- Diária em lugar limpo - R$ 20,00

Na ausência de tais valores, salvo raras exceções, me mantenho lendo matérias na internet, baixando minhas MP3, copiando CDs dos meus amigos, lendo os livros velhos da minha mãe, alugando fitinhas na locadora e tentando passar os fins de semana em casa.

sábado, agosto 16, 2003







Um ano

Na semana passada este bloguito fez aniversário. Um ano de Cartas de Maracangalha, quem diria hein? Eu não diria. Mas como diria o piadista, já que tá dentro, então deixa, rumbora rumo a mais outro ano.

Há doze meses atrás, se alguém me aconselhasse a ter cuidado porque fazer um blog mudaria a minha vida, eu não acreditaria. Mas mudou. E não estou falando de fama, mulheres e dinheiro, pois isso são coisas que já viriam naturalmente, eu sei ;-). Enfim, não me obriguem a ser piegas, vocês sabem do que estou falando. Afinal, são parte disso também.

Valeu muito pelas garrafas lançadas por vocês aqui durante este ano. Espero que elas continuem chegando.

E, para quem ainda acredita que Maracangalha não existe, Maracangalha existe sim. É só clicar nas casinhas ali embaixo para conhecer. Quem sabe, um dia, eu ainda saio de andanças pela Bahia e dou um pulinho por lá. Um dia...






sexta-feira, agosto 15, 2003



Jack Asses, os Homens do Ano

Ninguém mesmo escapa ao espírito da época. Há um programa, produzido pela MTV americana, cuja atração principal é visitar as residências modestas das celebridades do showbizi. Ontem eu me entretia assistindo à equipe de reportagem visitar as moradas dos intrépidos protagonistas do Jack Ass. Não fosse pela trilha sonora moderninha e a edição videoclíptica, eu estaria esperando o Otávio Mesquita aparecer na tela a qualquer momento. De repente a Sonia Abraão talvez.

Enfim, estava lá um daqueles super-Jack-Asses, mostrando-nos o que se faz quando se fatura algumas dezenas de milhões de doletas logo aos vinte e poucos anos – uma mansão imensa, uma linda morena, uma rampa de skate com uns sete metros de comprimento no meio do quarto, um porão cheio de máquinas de fliperama e vídeo-game, um half de cinco metros de altura no meio do quintal, uma garagem com três Audis e uma Ferrari Modena estacionadas.

Admirado, fiquei pensando que o sujeito deve ganhar um baita adicional de insalubridade para trabalhar no programa. Faz sentido, afinal, o desgaste da profissão provavelmente vai obrigá-lo a se aposentar mais cedo. Nada mais justo que ter seu mérito reconhecido, ser recompensado pelo suor do seu rosto. Sem contar a realização profissional trazida pelas escoriações e próteses dentárias.

Como disseram aí uns publicitários, acho que preciso rever meus conceitos. Depois da reportagem, a única coisa que me vinha à cabeça era uma tirinha do Calvin que eu tinha lido pela manhã. Bill Waterson, definitivamente, é o meu guru.







O Software Livre e a Desinformação

Neste momento entidades oficiais e não-governamentais estão discutindo um tema de importância estratégica para o país: a política de Tecnologia da Informação e a possível regulamentação do uso do software livre nas instituições públicas do Brasil.

Alguém aí sabe exatamente para onde está caminhado essa discussão? Pois é, com exceção de alguns peritos, aposto que muitos, como eu, ficam totalmente perdidos ao se confrontar com esse assunto pela primeira vez. E isso é só um exemplo, entre tantos, do serviço de desinformação que os veículos de imprensa tem prestado nos últimos tempos.


(sexta-feira é dia de Maracangalha lá no Imprensa Marrom, vá lá conferir...)



Internéticos sem causas

Um dos organizadores do tal Flash Mob ocorrido ontem em São Paulo esclareceu à imprensa que não, não havia nenhuma causa ou idéia a ser defendida no evento. O objetivo era somente reunir pessoas. E tirar o sapato delas no meio da rua.

Além de confirmar ao mundo como são mesmo esquisitos esses usuários da internet, a melhor coisa que se pôde aproveitar do encontro partiu de um dos poucos mobilizados que, percebendo toda a exposição dada pela mídia, se dignaram a levantar algum tipo de questionamento. O cartaz do sujeito levava a frase: "Contra burguês, baixe MP3".

Pôxa, pelo menos os caras são bons de rima!

quinta-feira, agosto 14, 2003



Cidade de Deus, de novo

Aquele texto postado aqui sobre o livro Cidade de Deus, do Paulo Lins, saiu agora lá no Scream&Yell. Está um pouco mais vitaminado e, no final, copiei dois trechos legais do livro para quem quiser sentir um gostinho. Eu recomendom...



Acredito muito que pra ser feliz a gente tem que aprender a viver com leveza, colocar os problemas em perspectiva, encarar a pequenez das coisas com humor, saber rir de si mesmo.

Saber disso eu sei, mas às vezes o bicho pega. Na verdade, não sei nem bem se tem algo a ver com isso. Mas vocês já se pegaram falando em algo que vocês realmente gostam, com toda a sinceridade, espontaneidade e coração, e de repente perceber que não está sendo levado à sério? Não sei se ser levado à sério é a questão. Talvez seja sentir que a importância e o sentimento que você coloca em algo está sendo menosprezado pelos outros. Vocês já sentiram isso, não sentiram?

Não sei se sou orgulhoso ou inseguro. Só sei que odeio isso.

terça-feira, agosto 12, 2003





Bicho de Sete Cabeças

Só fui assistir ao Bicho de Sete Cabeças no último domingo, quando passou na TV a cabo. Realmente, estava perdendo tempo, o filme é um dos melhores nacionais dos últimos anos.

Não achei o filme tão pesado quanto falam por aí. Claro, é uma estória de internação em hospício, pesada por natureza, mas não vi exagero ou exploração gratuita nas cenas. O filme é realista e forte na medida certa. Mas nem por isso deixa de ser um petardo.

Como disse o Luiz Carlos Merten, no Estadão, muito mais do que o sistema manicomial, o alvo principal do filme é a família. Na falta de abertura e comunicação, a estupidez, a chantagem e a força são as ferramentas utilizadas para manter-se o padrão estabelecido da família normal, estruturada e “feliz”.

Outra coisa interessante é que, apesar de claramente narrar o drama de uma vítima, o filme foge do maniqueísmo. A “culpa” pela criminosa internação de Neto não recai só sobre a estupidez conservadora do pai repressor. A irmã, mesmo letrada, esclarecida e “zen”, é conivente e até estimuladora do ato. E a mãe, mesmo angustiada num sofrimento passivo, é, no mínimo, cúmplice omisso da situação. Tudo bem, há pelo menos um vilão absoluto na estória: o sistema. Mas, afinal, precisa-se de um vilão, e realmente não há muitas coisas boas pra se falar desse tal sistema.

Como também já muito comentado, a atuação do Rodrigo Santoro é mesmo ótima. Mas quem arrebenta (e se destaca definitivamente como um dos meus atores preferidos) é o Othon Bastos. Depois de tornar inesquecível seu caminhoneiro solitário em “Central do Brasil”, agora ele está novamente sensacional como o pai cheio de boas intenções, mas idiota até a medula. Ainda assim, é impossível não dar destaque ao Santoro. Ainda acho ele meio “preso” na interpretação, mas, sem dúvida, o sujeito vem construindo uma carreira consistente. Afinal, não é para qualquer um levar chifre da Luana Piovanni em cadeia nacional e ainda sair dessa com a cabeça levantada.

Tem que se dizer ainda que, apesar de forte, o filme consegue ter cenas muito bonitas e sensíveis. E que a música do André Abujamra e as canções do Arnaldo Antunes se encaixam como uma luva e tem grande impacto na narrativa. Enfim, o filme é ótimo. E ainda dizem que a Laís Bodansky, diretora, filmou quase sem dinheiro. Somento durante a pós-produção encontrou o apoio da Benneton, da Itália, que se interessou pela temática polêmica. Aqui no Brasil, a cineasta teve enormes dificuldades para encontrar empresas que financiassem o filme com seus incentivos fiscais. Só posso utilizar um comentário feito novamente pelo Luiz Carlos Merten – coisas de um país que coloca a escolha de onde investir-se o dinheiro público nas mãos de diretores de marketing.

segunda-feira, agosto 11, 2003



Tá frio, né?

Finalzinho de segunda-feira polar, quer dar umas gargalhadas pra esquentar as entranhas? Vai lá no tradicionalíssimo Catarro Verde e confira este post. Aliás, preciso linkar isso logo ali ao lado. Para frio, melancolia ou irritação, Sérgio Faria é tiro e queda...



Anacronismo e Intolerância

Mario Vargas Llosa, este sim, é um verdadeiro liberal. E este é o título do seu excelente texto publicado ontem no Estado sobre a recente manifestação da Igreja Católica sobre o homossexualismo. Vão alguns trechos aí embaixo, mas vale a pena ler tudinho.


O que mais surpreende no documento sobre os casais homossexuais apresentado pelo Vaticano no dia 1.º de agosto - escrito pelo cardeal Joseph Ratzinger e aprovado pelo papa - não é a reafirmação da doutrina tradicional da Igreja Católica que condena o amor entre pessoas do mesmo sexo como "um comportamento desviado" que "ofusca valores fundamentais", e sim a veemência com que se exorta os parlamentares e servidores católicos a agir para impedir que sejam adotadas leis que autorizem a união homossexual ou, se elas forem aprovadas, para frear e dificultar sua aplicação. Neste caso é que parece não servir para nada aquela sábia distinção evangélica entre o que é de César e o que é de Deus: o documento toma de assalto a vida política e dá instruções inequívocas e terminantes aos católicos para que atuem em bloco, disciplinados e submissos como bons soldados da fé.

(...) Com argumentos assim, temperados com a presença sulfúrica do demônio, a Igreja mandou milhares de católicos e infiéis para a fogueira na Idade Média e contribuiu decisivamente para que, até nossos dias, a alta porcentagem de seres humanos de vocação homossexual vivesse na catacumba da vergonha e do opróbrio e fosse discriminada e ridicularizada, enquanto se impunha na sociedade e na cultura o machismo, com suas degenerantes conseqüências: a postergação e humilhação sistemáticas da mulher, a entronização da viril brutalidade como valor supremo e as piores distorções e repressões da vida sexual em nome de uma suposta "normalidade" representada pelo heterossexualismo. Parece incrível que, depois de Freud e de tudo o que a ciência foi revelando ao mundo em matéria de sexualidade no último século, a Igreja Católica - quase na mesma hora em que a Igreja Anglicana elegeu o primeiro bispo abertamente gay de sua história - aferre-se a uma doutrina homofóbica tão anacrônica quanto a exposta nas 12 páginas redigidas pelo cardeal Joseph Ratzinger.

(...) Se esse é o propósito, posso dizer com segurança que ele está fadado ao fracasso. Porque os escândalos sexuais recentes no seio das congregações, seminários, colégios e paróquias católicos não resultam de um enfraquecimento da autoridade eclesiástica nem da falta de disciplina interna, e sim de uma natureza humana que nem agora nem antes pôde ser artificialmente refreada sem que se causasse estragos e lacerasse a psicologia e a conduta das pessoas. A diferença entre hoje e ontem, em matéria sexual, dentro e fora da Igreja Católica, não é de comportamento. Este não pode ter variado muito, porque, embora muitos costumes e crenças tenham mudado, os impulsos, os instintos, os desejos e as fantasias que animam a vida sexual continuam sendo os mesmos. É de publicidade. Antes, os escândalos podiam ser ocultados e os pedófilos e assediadores sexuais, safar-se, como, aliás, continua ocorrendo nas sociedades fechadas e submetidas à ditadura religiosa.

(...) Os milhões de homossexuais católicos do mundo não renunciarão à sua sexualidade por causa das fulminações vaticanas. (...) Não é o sexo, são a Igreja e a fé católicas as vítimas privilegiadas deste novo manifesto cavernícola.




I know that I was born
I know that I will die
The in between is mine.


Uma pérola da geléia...

sexta-feira, agosto 08, 2003



Imprensa Marrom

Olha a novidade - a partir de hoje começo a dar meus pitacos semanais lá no site Imprensa Marrom. Toda a sexta-feira vai ter coluna nova por lá. Vamos ver como me comporto, esse negócio de prazos não vai muito com a minha cara.

Taí embaixo um gostinho da coluna. Mas não deixem de dar uma passada por lá, conferir o resto e comentar. Gravataí Merengue e eu agradecemos.

(...) Depois, voltei a pensar no assunto. Não, não tinha me arrependido. Só comecei a refletir em como este fato isolado reflete bastante o que vem acontecendo com o "mundo da comunicação" nesta aclamada "era internética". E o que vem acontecendo é: gente produzindo de graça, para gente consumir de graça. Pelos mais diversos motivos, pelos mais diversos meios. Mas é o que acontece, cada vez mais. (leia a coluna na íntegra no Imprensa Marrom)

quinta-feira, agosto 07, 2003



Indagações

Preciso da sua luz, irmão. Dois profundos questionamentos sócio-existenciais habitam minha mente nos últimos dias:

1) O que permite ao mocinho-galã da novela das oito, mesmo sendo um exímio polígamo, ainda sustentar sua condição de mocinho? Talento, prática ou habilidade?

2) Por que raios não há nenhum negro na nossa campeã panamericana seleção de basquetebol masculino?

Tenho cá minhas teorias, mas não dou nenhum crédito a elas. Alguém arrisca algum palpite?

quarta-feira, agosto 06, 2003



No carro

- Também não precisa ficar com essa cara de bunda, né?
- Tá, tá...
- Peraí, só porque eu falei que o Mel Gibson era bonito?
- Você não falou que ele era bonito, você falou que ele é um tesão...
- Ai, Tiago, deixa de ser ridículo!
- Agora ainda sou ridículo...
- Ahahah... Vai ficar com ciúmes do Mel Gibson? De um cara que está a três mil quilômetros de distância??
- Não estou com ciúmes...
- Mas ficou bravo.
- (...)

- Tipo, se o Mel Gibson viesse pro Brasil, encontrasse com você e te jogasse uma cantada, você me chifrava com ele?
- Ai, Tiago, de novo isso... Pára de ser ridículo!
- Fala verdade, você ia dar pra ele, não ia?
- Se liga, Tiago, essa situação é impossível!
- Mas, hipoteticamente, você dava, não dava?
- Tá bom, hipoteticamente eu dava.
- Tá vendo...
- Tá vendo o quê?
- Que eu não mereço o mínimo de resistência da sua parte...
- Mínimo de resistência? Caramba, Tiago, o cara é o Mel Gibson!!
- Podia ser o Brad Pitt...
- É, pro Brad Pitt eu também dava...
- (...)
- Porra, Tiago!

- Fala sério, vai. Você não ficou encanado com isso, ficou?
- Não tô encanado, Cíntia. Só achei engraçado... Você fala que me ama, mas se um cara da pinta do Mel Gibson chegar e quiser te levar embora, você vai sem pensar duas vezes.
- Um cara da pinta do Mel Gibson não. Só se fosse o próprio...
- (...)
- Eheh...

- É, realmente, se a Mônica Belucci viesse dar em cima de mim, não ia ter como não te trair, meu bem...
- Eu acho é bom.
- Como assim, acha bom?
- Putz, se a Mônica Belucci te desse bola e você não comesse, sinceramente eu ia começar a desconfiar da tua masculinidade.
- Ahahahaha...
- Namorado viado, tô fora.
- Vocês, mulheres, são foda...
- É claro, Tiago! Olha, aprende, se um dia você for me trair, que pelo menos seja com alguém que valha muito a pena.
- Ai, caralho, eu morro e não entendo vocês... Quer dizer que se eu te chifrasse com a Mônica Belucci você me perdoava?
- Perdoar, não perdoava. Mas ia entender.
- Isso quer dizer que, comendo ou não comendo, uma Mônica Belucci caidinha por mim seria o fim do nosso relacionamento?
- Hipoteticamente, muito hipoteticamente...

- Mas olha só... Eu acho que seguraria a onda com a Nicole Kidman, por exemplo.
- Por mim, é?
- É.
- Que bonitinho, amor!
- Viu só? Taí uma coisa legal... Vamos testar nossos níveis de tolerância.
- Como assim?
- Tipo, eu resistiria à Nicole Kidman. E você, resistiria a quem?
- Ah, sei lá...
- Putz, não tem nenhum?
- Mike Myers?
- Porra, Cíntia, não me fode...
- Ehehe... Ah, sei lá, o Bruce Willis, por exemplo, não faz meu tipo. Taí, eu reisitia ao Bruce Willis por você, amor!
- Também o cara já tá bem acabadinho né? Fala outro cara mais novo aí... Só faltava essa também, você me trocar pelo Al Pacino, Sean Connery...
- Ah, o Sean Connery até que é charmosão, vai...
- Ai, caralho.

- Fala outra você. Uma brasileira agora. Tipo, e a Luana Piovanni?
- Ah, meu bem, desculpa mas acho que não ia dar pra segurar a barra com a Luana Piovanni, não...
- Caramba, Tiago, aquela menina é a maior otária!
- E?
- Você, homens, são foda...
- Ahaha... Hipoteticamente, né Cíntia?
- Tá bom, hipoteticamente. Tá vendo, assim a gente fica combinado. Eu fico hipoteticamente com o Mel Gibson e você fica hipoteticamente com a Luana Piovanni.
- Ia dar um swing bom esse...
- Tarado!
- Eu, né?


- Aliás, já reparou como aquela tua vizinha é a cara da Luana Piovanni? Lembra bastante...
- (...)
- Você não acha?
- (...)
- Porra, Cíntia, também não precisa ficar com essa cara de bunda, né?

segunda-feira, agosto 04, 2003



Extra! Extra!

Dizem por aí que o último show do Los Hermanos no Rio de Janeiro foi tão bom, mas tão bom, que agradou gente da estirpe do temido filósofo Olavo de Carvalho e do famigerado jornalista cultural Paulo Polzonoff Jr. Leiam mais aqui!






Depois de fechar a última das quatrocentas páginas, a palavra que me veio à cabeça foi só uma: ufa!. Cidade de Deus, o livro, é extenso, muito extenso. E eu, que não me gabo em nada da velocidade das minhas leituras, demorei muito para terminá-lo. Entre idas e vindas, com um outro livro intrometido no meio, foram quase três meses. Mas, ao final da empreitada, além da satisfação de chegar ao fim, ficou também a satisfação de ter lido algo bom. Gostei do livro, valeu a pena.

O que fica, tanto no filme quanto no livro, é o mesmo - um retrato da evolução do tráfico e da violência na favela. Sem julgamentos ou respostas fáceis, apenas um retrato. Se o filme opta por transmitir esse retrato através da intensidade do impacto, o livro escolhe um caminho mais extensivo. Possui mais algumas dezenas de personagens, torna ainda mais complexos e emaranhados os longos 20 anos de saga criminosa. Além disso, a narrativa é caudalosa, com longas descrições e cheia de detalhes. Isso tudo, lá pelo meio do livro, chega a tornar-se repetitivo. Talvez a intenção fosse mostrar como a violência se banaliza, mas o fato é que a enxurrada de trairagens, mancumunações, roubos e mortes, acaba uma hora se tornando cansativa. Mas aí (se houver um pouco de persistência, é claro...) o carisma de alguns personagens te atrai novamente, a trama embala, e você é salvo de desistir no meio do caminho.

Outra coisa que estranhei bastante no início foi o estilo do Paulo Lins. Os diálogos, felizmente, são bem espertos e cheios de gírias características da época. Mas na narrativa e, principalmente, nas descrições, ele utiliza uma linguagem que, além de nada coloquial, é quase barroca. As descrições são tão caprichadas que às vezes os matões de Jacarépaguá parecem bosques bucólicos da Idade Média. A narrativa também usa e abusa de metáforas e imagens viajandonas. No começo isso me soou bastante deslocado, afinal a estória ali era de violência, pobreza, sarjeta e mundo cão. No decorrer da estória, porém, fui me acostumando, e acho até que tudo isso acaba se tornando um ponto positivo do livro. Tantos detalhes, tanto esmero na criação do ambiente, acabam aumentando a sensação e o impacto da realidade.

Quanto à violência (e esbarrando naquelas polêmicas criadas quanto a estética, cosmética, retrato ou exploração da pobreza, no filme ou no livro) não sou besta para tentar decifrar aqui qualquer mensagem, diagnóstico ou proposta que o livro teria para oferecer. Acho também que é besta quem procura ali resposta. Ali está a radiografia; a resposta, e as soluções (se existem soluções) têm que vir depois. E, para quem está acostumado a ver uma radiografia sempre tirada pelo "Cidade Alerta", está ali uma perspectiva bastante diferente.

sábado, agosto 02, 2003



Será?

Estou pensando em fazer um curso de Roteiro. Daqueles pra Cinema, Vídeo e Televisão. Sei que não é um curso desses que vai me ensinar a escrever bem. Afinal, escrever se aprende lendo, e escrevendo. Consequentemente, escrever roteiro de cinema se aprende lendo, escrevendo e vendo cinema. Não é essa minha expectativa, portanto. Mas acho que o curso seria bom para me exigir um pouco mais de constância e disciplina. E, lógico, seria a chance de passar um tempo agradável durante a semana conversando e aprendendo sobre cinema. Também acho que seria a chance de me tirar um pouco da toca do escritório, tirar o uniforme de "administrador", e conhecer gente que gosta e trabalha com isso.

Por outro lado, não consigo deixar de pensar num curso de Roteiro sem lembrar do Nicholas Cage interpretando os roteiristas gêmeos em "Adaptação". Fico imaginando uma reunião de losers querendo aprender as 25 regras de ouro do roteiro perfeito. Apesar dessa imagem não ser muito agradável, acho que vou fazer o curso sim. Não tenho problema em ser um loser e espero ser esperto o suficiente para não acreditar em qualquer 25 regras que venham me oferecer.

O que vocês acham? Só conheço uma pessoa que já fez um curso desses e queria ouvir outras opiniões... Metam aí o bedelho, mas rápido, porque preciso decidir isso até quarta-feira!

sexta-feira, agosto 01, 2003



Enquanto não tomo vergonha e dou um gás neste parado bloguito, não tenho escrúpulos em indicar mais dois textos alheios para garantir plenamente a sua diversão.

E são mais dois textos da Fraude. Sei que já virou exploração, mas, fazer o quê, se eu li os textos e imediatamente bateu a vontade de mostrá-los pra alguém, só me resta linkar.... E não digo mais nada sobre, pois os textos se bastam. Leiam, leiam, leiam!

"Então, repito, orgulho de que? Quem se gaba do que não fez ou não pensou direito ou precisa se convencer de algo. Se gabar de ser gay é como bater no peito e dizer: sou heterossexual, bonito, feio, pobre, diabético, paralítico, universitário, punheteiro ou careca. Ora bolas, ser gay é normal.

O que não é normal é ser rico. E outra coisa menos normal é ser o João Paulo Diniz. Esse sim, filho de Abílio Diniz, nasceu rico. Exemplo ínfimo nas estatísticas, consta que ficou pelado com as mais lindas mulheres das propagandas. Uma atrás da outra, três semanas com cada."

Do Orgulho de Ser Uma Bosta, por Pereira.

"A rede Globo cancelou a exibição do documentário sobre o tráfico no RJ, que deveria ir ao ar no Fantástico a partir deste domingo. Segundo a Folha de S. Paulo, o rapper MV Bill, um dos responsáveis pelo filme, tem “motivos de foro íntimo” para não veiculá-lo.

Mas isso não importa. A verdadeira questão é: o que haveria de novo no material? Crianças dizendo porque entraram para o tráfico? Reality show da favela? Narrações graves e indignadas disputando espaço com sons tiros? Autoridades falando das “dificuldades” de resolver o problema?

Alguém ainda precisa de reportagens sobre o assunto? Provavelmente iríamos assistir às crianças dizendo o óbvio: que querem consumir e não encontram emprego, que o tráfico aparece como uma possibilidade de ascensão social. Que elas crescem sob um estigma, o de que seus destinos estão traçados: a) ou viram criminosas, b) ou dependentes de projeto social, c) ou rappers. Tudo isto foi dito antes."

Não Assisti, Não Gostei, por Eduardo Fernandes.

quinta-feira, julho 31, 2003



Momento Supercine de Cinema



O Exterminador do Futuro 3

Decepcionando as expectativas dos mais pessimistas, o ano de 1984 chegara e as profecias de George Orwell ainda não haviam se realizado. Nem as guerras sem fim, nem o totalitarismo onipotente do Grande Irmão haviam dado as caras. A humanidade, mesmo cheia de sujeiras velhas e ameaças novas, ainda caminhava.

Àquela altura, James Cameron, um rapazote de 29 anos, andava um tanto entediado. A guerra fria já não era a mesma, ninguém mais acreditava em seres verdinhos invadindo a Terra. James percebia que o mundo não conseguiria viver naquela morosidade, sem uma perspectiva catastrófica clara à sua frente. Então, como James era gente que faz, colocou as mãos à obra e ocupou aquele vácuo construindo seu próprio mito apocalíptico. Deu ao mundo "O Exterminador do Futuro" e prometeu o dia do juízo final para o longínquo ano de 1997.

Confesso que, em 1984, eu não ligava muito para o fim do mundo. Tinha 9 anos e confiava plenamente que Spectroman protegeria o planeta Terra e a cidade Tóquio de todos os males. Tampouco me lembro de ter me dado conta do lançamento do primeiro "Exterminador". Sinceramente, devia estar mais preocupado em trocar minhas tampinhas de guaraná Antarctica e completar meu álbum de figurinhas cheio de aviões maravilhosos. (leia o texto na íntegra no Scream&Yell)

quarta-feira, julho 30, 2003



Alguém aí já viu o novo clipe da bunda da Jennifer Lopez? Ela está sensacional...

quinta-feira, julho 24, 2003





Como já foi anunciado na semana passada, a morte da Fraude foi uma fraude. A revista eletrônica decidiu agora combater o status quo de dentro do próprio intestino deste. Simulou a venda da sua alma ao sistema e a partir de agora se hospeda no Portal Terra.

Estagiários

Já aproveito pra indicar um texto muito legal publicado ali, A Estagiarização do Mundo. Verdade que o texto mais levanta questões do que oferece respostas. Mas isso é o importante. Afinal, aonde vai levar toda essa onda de blogueiros, zineiros, cartunistas, músicos, escritores e etecéteras, todos trabalhando e produzindo de graça? Afinal, faz-se isso por prazer e vocação, ou pela esperança de um dia ser "efetivado" pelo patrão?

Enquanto isso, ou ao mesmo tempo, vamos continuando, como diria Tyler Durden, "working at jobs we hate so we can buy shit we don't need".



"When you say 'pop', is 'white', right?"

Miles Davis, matando no peito e chutando pro gol, durante uma entrevista num documentário sobre o Quincy Jones exibido agorinha no Cinemax.

Aliás, taí uma vida no mínimo invejável. A do Quincy Jones, eu digo.

segunda-feira, julho 21, 2003



Momento Supercine de Cinema



Dez

Vamos ser sinceros - qual seria sua reação ao ser convidado para ver um filme iraniano ambientado inteiramente dentro de um automóvel? Posso dizer que, ao ter a oportunidade de ver "Dez" (Ten, 2002), o último filme de Abbas Kiarostami, fiquei, no mínimo, relutante. Como nunca havia visto um filme iraniano, o que me veio a cabeça foram as descrições e comentários típicos que se ouve por aí a respeito desse tipo de cinema: um filme lentíssimo, com cenas arrastadas e contemplativas, recheado de paisagens inóspitas, mulheres reprimidas e lamentos sonolentos. A curiosidade foi maior, porém, e resolvi encarar o convite. Não sem antes tomar dois cafés expressos pouco antes da sessão, só para me precaver.

Então, numa grata surpresa, Kiarostami me proporcionou um daqueles melhores pequenos prazeres da vida. (leia o texto na íntegra no Scream&Yell...)

terça-feira, julho 15, 2003



Amigas do Rei

É verdade, tem dias que chego em casa a tempo de ver a novela das seis. Mas não me chamem de vagabundo, não, nem mesmo de ocioso. É apenas coisa de quem trabalha na indústria, tem um sindicato forte e mora perto do trabalho. Um dia vocês serão metalúrgicos também.

Mas estou saindo do foco. Queria dizer que às vezes consigo ver a novela das seis. Bem, ver não, que eu sou homem criado. Dar uma espiada. O fato é que, espiando essa tal "Agora É Quem São Elas" (para quem não sabe, a atual novela das seis da platinada), uma coisa muito vinha me incomodando.

Confesso que, mesmo noveleiro confesso, a trama da novela não me disse muita coisa, mas isso já não foi novidade para o atual estado deplorável das tramas globais. O que me incomodava mesmo era que aquilo parecia me perseguir. A cada breve zapping, em cada breve espiadela, lá estava aquilo me chamando atenção. Mas, afinal, o que era aquilo? Aquilo era deslocado, esquisito, fora de contexto e lugar. Algo parecia estar errado com aquilo.

Hoje então, após alguns dias de agonia, fez-se a luz. Graças ao bem-afortunado Kibe Loco, pude descobrir o que era aquilo, e pois que tudo finalmente se esclareceu.

Aquilo é a Preta Gil.